Sérvio Túlio reinou em Roma entre 578 a.C. e 539 a.C
Por Bruno Soller
Sucessor de Tarquínio Prisco, o Antigo, Sérvio Túlio foi o sexto rei de Roma. Seu reinado teve como marca principal as reformas populares que tinham como objetivo a proteção da plebe. Durante seus 44 anos de regente promoveu famílias plebeias à condição de nobres e trabalhou incessantemente pela inclusão dessa classe na vida social da cidade. É bem verdade que suas intenções eram de perpetuação da monarquia e, para tanto, sabia que precisava ter na plebe uma aliada de primeira hora devido a sua larga presença populacional, mas o que vale da invocação do segundo rei etrusco é o seu foco em atingir e impactar as massas.
No Brasil, desde 2006, há uma nova realidade eleitoral instaurada, um enfrentamento sufragal entre classes. O primeiro governo de Lula foi um divisor de águas no comportamento dos eleitores brasileiros. A agenda social imprimida pelo governo, com programas de assistência básica como o Bolsa Família, o Fome Zero, o Luz para Todos, Minha Casa, Minha Vida, ProUni e demais medidas, criaram uma união de difícil dissolução desde então. Lula, que em 2002 havia sido eleito com o voto da classe média e alta brasileira, repactuando sua fala e seu entendimento sobre a economia, apontadas na Carta aos Brasileiros, deu um giro de 180 graus durante seu período como governante e mirou na conexão direta com a base da pirâmide social brasileira.
Essa guinada ganhou ainda mais força e foi ainda mais necessária quando a maior parte da classe média se desgarrou do governo após o estouro de um grande esquema de corrupção, popularmente conhecido como Mensalão. Tudo que as classes mais altas não esperavam do líder sindical combativo era que ele fosse envolvido em escândalos dessa natureza. Esse público, decepcionado com a experiência Lulista, começa a buscar pelo anti-Lula e na primeira eleição em que o presidente testaria seu mandato, esse eleitor encontrou em Geraldo Alckmin, do PSDB, a oposição ao Lulismo.
Lula se reelegeu e com uma popularidade alta, batendo os 80% e consegue em 2010 eleger sua indicada Dilma Rousseff, que disputaria novamente contra um candidato do PSDB, o então governador de São Paulo José Serra. Em 2014, mesmo com o governo Dilma patinando na aprovação, a ex-presidente, representante do Lulismo, com margem pequena vence Aécio Neves, também tucano. Foram três eleições consecutivas em que o comportamento do voto se deu de maneira muito parecida.
Utilizando o critério de classes definido pela ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa), as classes B1, B2 votaram em massa no candidato tucano e a C2 e D, no campo Lulista. A C1, a chamada média-média foi se desgarrando pouco a pouco do eixo de Lula, algo perceptível ao cruzarmos o voto por zona e a disposição territorial de pessoas dessa classe, aproximando as votações: em 2006, 61% x 39, em 2010, 56% x 44% e em 2014, 52% x 48%. No ano de 2016, com o impeachment de Dilma e ascensão do governo Michel Temer, algumas mudanças importantes se iniciaram e tiveram impacto na eleição de 2018.
O Brasil tem 54,6% do seu eleitorado concentrado nas classes C2 e D, as chamadas classes baixas. Em regiões como o Nordeste brasileiro essas classes chegam a atingir 70,8% do eleitorado. A classe D possui uma renda média familiar de R$768,00 mensais, menos que 1 salário mínimo, enquanto que a C2, uma média de R$1.625,00 por mês, quase 1 salário e meio. A classe D está localizada, principalmente, nas zonas rurais dos sertões brasileiros e na extrema franja das cidades, vivendo nas comunidades e favelas espalhadas pelo território nacional. A C2, concentra-se muito nas regiões periféricas e suburbanas das grandes e médias cidades, nas entradas de favelas e morros. São a plebe brasileira.
Em 2018, a radicalização contra o PT e a contrariedade à política tradicional, que tinha no presidente Temer seu maior expoente, e após o PSDB estar envolvido em diversas denúncias de corrupção, as classes mais abastadas procuravam por um candidato que exprimisse uma ideia de rompimento. Jair Bolsonaro surgiu como essa esperança. Um candidato sem muitos apoios, que representava o anti-Lulismo e que trazia consigo propostas de uma agenda econômica impactante, uma agenda de costumes moralizante e uma expectativa de melhoria em um serviço essencial, que é a segurança pública. Com as propostas econômicas e comportamentais agradou de cara as classes altas e com o discurso de ordem e melhoria da segurança atingiu parte considerável das classes C1, descendo até a C2. O Lulismo, sem seu candidato oficial, que se encontrava detido, conversou unicamente com a classe D, grata ao período de prosperidade que viveu durante o governo Lula.
O motor que mexe com essa base da sociedade é fundamentalmente a melhora da renda e a qualidade dos serviços públicos. Em 1 ano e meio de Jair Bolsonaro esses quesitos ainda não atingiram essas classes. E a C2 que havia dado um voto de confiança é a principal responsável pela sua queda de aprovação. Essa classe está órfã, já que deixou de votar em peso no PT em 2018 e a sua escolha ainda não criou vínculo depois de mais de um ano de governo. A D que tem em Lula ainda seu principal expoente e que votou em massa em Haddad por indicação do ex-presidente está se desgarrando pouco a pouco – parte pelo cansaço, parte pelo esquecimento e outra parte pela renovação, já que em 2022, os novos eleitores de 16 anos de D, quase não viveram a era Lula, já tinham apenas 4 anos desde a sua saída do poder.
Há, contudo, um espaço aberto para uma candidatura que dialogue diretamente com a massa, mas o problema parece ser a falta de candidatos que escolham esse público pra conversar e que tenham o mínimo de empatia com ele. A possibilidade de uma candidatura de Luciano Huck parece a mais próxima de conseguir atingir esse alvo. Huck é um apresentador popular, carismático e que em seu programa televisivo resolve coisas para as pessoas mais carentes. Sua fala em Davos buscou mostrar sua preocupação com essa classe. Nas pesquisas de opinião sua força eleitoral está mais concentrada nesse eleitor, mostrando uma predisposição a ouvi-lo. Entretanto, para que galgue sucesso é necessário centrar forças nessa comunicação direta. Transformar a sua performance no Caldeirão em ação política. Centrar fogo no público mais apto. Conseguir ser o pós-Lula.
O Brasil é um país pobre, diferentemente do que mostra seu grande PIB, concentrado nas mãos de poucos. É estranho pensar que a classe política tenha tanta dificuldade em se conectar com os menos favorecidos. Quase que a totalidade das candidaturas, sejam de direita ou de esquerda, conversam no pelotão de cima das camadas sociais. Nessa ultima eleição, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, João Amoêdo, Álvaro Dias, Marina Silva se espremeram num nicho eleitoral pequeno e sem penetração popular.
A maioria das candidaturas que ensaiam para 2022, também estão nesse corredor. Se alguém quiser vencer a eleição, precisa dominar a agenda social e enfrentar o Bolsonarismo não só na discussão ideológica. Quem quiser ser vitorioso precisará de organização e de uma agenda Serviana que agrade essencialmente a plebe, superando a ânsia e o status de agradar os patrícios.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no portal Eleições Brasil.
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