Por Bruno Soller
A relação do jovem com a política e com o processo eleitoral é um capítulo que merece profunda reflexão. O eleitor de 16 a 24 anos, quase que em todas as pesquisas, é o que mais anula o voto e sempre fulgura entre o mais indeciso. Nas sondagens nacionais, nos quadros mais congestionados há sempre pelo menos ¼ desse eleitor que opta ou por não votar em algum candidato ou não consegue se definir pelos nomes postos. Em média, esse nicho apresenta um comportamento de nulidade sufragal de 40% a mais que as demais faixas etárias.
Ao debruçar-se qualitativamente sobre esse eleitor é perceptível a falta de qualquer vínculo com a política do jeito que ela é praticada. Existe uma desconexão abismal com o nome dos políticos, até com suas imagens e com os seus feitos. É uma distância de realidades, que se acentua quanto mais baixa for a classe social. Levantamento apresentado pela IstoÉ, em 2018, mostrava que mais de 60% dos eleitores mais novos não admiravam nenhum político. O interesse que os leva à política é unicamente temático e aí pode ser o gancho para se conseguir implementar um mínimo de diálogo com esse público.
O emprego é sem sombra de dúvida o maior motivo de insatisfação e preocupação dessa juventude. É seguido pela questão educacional e é ainda mais forte quando essas duas questões se conversam. Esse fenômeno, inclusive, não é só brasileiro. Em pesquisa da Universidade de Salamanca, 57% dos jovens espanhóis têm no trabalho a sua maior expectativa e 43% sua frustração. Lá, como cá, quanto mais rico o jovem, mais diminui essa apreensão e os estudos ocupam esse lugar.
A ideia do primeiro emprego e da capacitação ligada à entrada no mercado de trabalho agrada ao jovem mais carente. A lógica do SENAI, por exemplo, repercutiu na pesquisa Datafolha, de setembro de 2018, no primeiro turno para governador de São Paulo, em que o candidato Paulo Skaf, presidente desse serviço, liderava justamente entre os de menor idade e menor renda combinados. Em Goiás, o Bolsa Universitária fazia com que o candidato desconhecido do então governador Marconi Perillo, José Eliton, aparecesse nas primeiras pesquisas justamente em função de ter o voto desse público.
Nas primárias democratas, Bernie Sanders ficou até o final como o guardião do voto jovem. Admirado, do alto dos seus 78 anos, por ser um político progressista e com discurso de hábitos bem definido sobre liberação de drogas, descriminalização do aborto, empoderamento feminino e racial, casamento entre pessoas do mesmo sexo, o senador nova-iorquino criou ainda mais amálgama com a juventude, quando defendeu a anistia da dívida estudantil – cerca de 45 milhões de americanos sofrem com esse problema. Há uma preocupação na campanha de Biden, sobre como conseguirá falar com esse eleitor que estava esperanço pelas propostas diretas, mas de fragilidade exequível de Sanders.
Os temas comportamentais têm boa acolhida. Uma visão de mundo mais liberal nos costumes tem maior penetração nessa faixa. Candidatos de partidos de esquerda no Brasil possuem uma melhor votabilidade, justamente por serem defensores dessas causas. Em pesquisa RenascençaDTVM/Travessia, publicada no jornal Gazeta do Povo no início de maio, é justamente nos mais jovens que Lula e Haddad superam Bolsonaro e que Ciro Gomes e Guilherme Boulos têm sua maior concentração de votos. Amoêdo, do liberal Partido Novo, também cresce nessa porção da sociedade.
Falar de costumes parece mais resolutivo para os jovens. Gostam da ideia de se debater o tema polêmico. Gera posicionamento e dá uma sensação de que aquilo pode ser feito. Na era da velocidade, não suportam os temas que não avançam e que são pormenorizados, com muitas variáveis a serem negociadas. Por isso, artistas e programas que têm esse público-alvo buscam investir em formatos mais opinativos. O programa Pânico, da Jovem Pan, o youtuber Felipe Netto e até mesmo a cantora Anitta têm promovido debates e discussões no digital e conseguem atingir boas audiências.
A naturalidade de quem fala sobre o assunto, no entanto, é fundamental. Há uma ojeriza pela figura do político tradicional, da fala rebuscada e que tente ser o promotor da questão de maneira forçada. A mensagem indireta tem muito mais efeito entre a juventude e diversas marcas, admiradas nesse cluster, têm se comunicado dessa maneira. A Apple lançou recentemente uma propaganda, em que não há qualquer fala, apenas o ato de abertura da caixa do iPhone SE, com sons e uma mensagem escrita: “É muito iPhone, por menos”, já explicitando que a pessoa teria a mesma experiência de ter um iPhone, mas com um preço mais acessível. De acordo com o presidente da empresa, a ideia do SE é justamente angariar consumidores novatos.
Um dos maiores especialistas em neuromarketing, o dinamarquês Martin Lindstorm, coordenou um estudo em que comprovou principalmente entre os mais jovens que a “forçação de barra” tem efeito menor. Quando colocados dois outdoors em Los Angeles, sendo que um tinha um cowboy fumando um cigarro e no outro a mesma imagem só que com a marca de uma grande empresa do setor, o sem logotipo gerou nos testados, de 18 a 30 anos, 75% a mais de desejo de fumar. Foi o ato, não a marca. A emoção que o ato gera e não a ideia de que a pessoa está consumindo.
Ao mesmo tempo em que o jovem quer mensagens objetivas, que falem com ele, há um bifurcamento em que ele precisa sentir que aquilo não é para convencê-lo. Há que se explorar a subjetividade, o lúdico. É um público que recebe muita informação, está presente em todas as mídias e está escaldado da tática tradicional da venda pela venda. É dificílimo prender sua atenção. Os temas devem ser retos, mas a condução precisa ser construída. Compreender que esse caminho é direto, mas nem tanto, é essencial para quem quiser ter presença nessa fatia, que corresponde a 16% do eleitorado brasileiro.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
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