Eleições Brasil

Não às eleições unificadas

Por Antônio Augusto Mayer dos Santos

A intenção de unificar os pleitos no Brasil é uma antiga variação da jabuticaba. Indigesta variação. Desbotada, ela ressurgiu na curva do COVID-19. Seus defensores, alguns movidos por indisfarçado oportunismo, costumam ecoar tediosamente as alegações constantes às propostas que volta e meia são apresentadas em torno do assunto, quais sejam, a suposta racionalização e o não menos suposto barateamento do processo eleitoral. Entretanto, estudos e análises da maior consistência indicam exatamente o inverso dessas suposições, ou seja, que o modelo vigente, com as eleições ocorrendo de dois em dois anos, mesmo apresentando as suas imperfeições e restrições, ainda é o que se mostra mais adequado a um país como o nosso.

De prático, a Federação não comporta eleições conjuntas. Tanto que jamais as efetivou. Aliás, nenhum país do mundo pratica um formato desse naipe, ou seja, substituindo todos os postos de comando simultaneamente, numa tacada só. Misturar os pleitos sob o enfoque da despesa pública não é argumento convincente, tampouco suficiente num país da extensão continental do Brasil. Basta situar que além das questões nacionais, cada uma das 27 unidades estaduais e 5.568 municipais tem demandas e peculiaridades inarredavelmente próprias. Por força disso, uma campanha eleitoral que envolva do presidente da República ao vereador está fadada a inviabilizar as pautas que se inserem na esfera de responsabilidade de cada um. E quem prioriza tudo não prioriza nada. Com isso, temáticas importantes seriam confinadas ao plano secundário, ao invés de predominar. Dizendo isso com outras palavras: questões nacionais, estaduais e municipais são distintas, exigem pautas próprias. Não podem ser mediocrizadas em nome de um “barateamento de custos” que não passa de miragem.

Reforçando mencionados elementos, está o fato de que com tantos cargos em disputa, algum ou mesmo alguns fatalmente terminariam rifados da atenção do eleitorado. E nisso, o horário apelidado de “gratuito” também entra no rol de objeções. Se já é enfadonho e inconvincente, exigiria a acomodação de espaço para sete vagas, fora o pleito que envolve a renovação de duas cadeiras de senador, quando então seriam oito. Portanto, o eleitor teria que teclar entre trinta e trinta e quatro vezes na urna eletrônica.

Isso não é tudo. O debate, para ser inteiro, envolve a Justiça Eleitoral. Uma eleição de contornos absolutos exigiria a atuação conjunta de todas as suas instâncias. Contudo, é necessário ter presente que se juízes eleitorais, tribunais regionais e o próprio TSE já ficam sobrecarregados com as eleições de suas alçadas, que se dirá diante do fluxo simultâneo de todos os processos de candidaturas, impugnações, recursos e prestações de contas, para mencionar os procedimentos mais elementares.

Além disso, é imprescindível alertar puristas ou imediatistas que, diante das inúmeras disposições legais em vigor, as administrações públicas – todas elas, sem exceção –, ficariam impossibilitadas de interagir convênios, obras e serviços, assim como seria igualmente inviável a transferência de recursos ou a ampliação de programas sociais, educacionais, de saúde e outros, para situar o mínimo dos mínimos.

No mundo real, que é o único que vale, onde as campanhas dependem essencialmente do dinheiro público drenado do Orçamento da União para os partidos políticos, não há espaço para idealismos ou devaneios. Na prática, é inimaginável candidatos a governador, deputado, senador, prefeito e vereador repartindo o bolo de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha entre si. A pergunta a ser feita é uma só, cruamente: quem abdicaria do seu quinhão para a campanha do outro?

A unificação das eleições é uma fantasia frágil, tanto de ordem política, quanto econômica e jurídica. É uma fórmula mais onerosa que a realidade na medida em que mais complexa nos quesitos planejamento e execução diante de tantos candidatos e organizações judiciárias. O espaçamento de eleitores comparecendo às urnas de quatro em quatro anos é um retrocesso. Votar a cada dois anos no mínimo desperta a atenção da população para assuntos do cotidiano. Ao fim e ao cabo, além de inoportuna, a ideia não aperfeiçoa em nada o sistema eleitoral e ainda amputa a cidadania.

(*) Antônio Augusto Mayer dos Santos é Advogado, professor de Direito Eleitoral.

Fonte: Revista VOTO

 

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