Por Bruno Soller (*)
Ainda numericamente representativo para as estruturas de poder do país, o PSDB tem diminuído cada vez mais a sua representação enquanto ideia na cabeça do eleitor brasileiro. É incongruente, ou no mínimo preocupante, que um partido que governa São Paulo, o maior estado do país, além dos importantes estados do Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul e de seis capitais (São Paulo, Porto Alegre, Maceió, Manaus, Teresina e Palmas), tenha apenas 6% dos deputados federais, em um dos sistemas mais multifacetados do mundo, e que, em oito eleições nacionais tendo sido protagonista em seis, esteja tão distante dos anseios do eleitorado.
O partido tem se aproximado muito mais do MDB, de quem foi dissidente, do que sido visto como uma opção de projeto nacional. Longe do “pulsar das ruas”, de que fala seu manifesto, o PSDB foi de responsável pela estabilização econômica brasileira a uma sigla qualquer, como tantas outras, que não dizem nada para o cidadão comum, nessa sopa de letras do espectro partidário brasileiro. Virou um grande partido, mas com pequeno ideário.
Nos anos 90, o governo FHC conseguiu dialogar e ser hegemônico em todos os grupos sociais brasileiros. O Plano Real, o fim da inflação e a reestruturação da economia foram feitos que tornaram o governo do PSDB extremamente popular. Em 94 e 98, o tucano foi eleito presidente da república no primeiro turno. Em 94, todos os governadores eleitos, com exceção de Miguel Arraes, em Pernambuco, eram aliados de Fernando Henrique.
Com as crises internacionais do final dos anos noventa, a subida do dólar e a alta taxa de desemprego, a rejeição a FHC começou a disparar. O discurso econômico dos tucanos soava distante da realidade das pessoas e Lula iniciou uma saga para se tornar palpável aos brasileiros que o viam com descrédito e preocupação. Pairavam dúvidas sobre como o líder sindical, não estudado, poderia se tornar presidente do Brasil. O petista se enquadrou nos anseios das pessoas, prometendo por meio da Carta aos Brasileiros não flertar com irresponsabilidades, e iniciou um discurso social que o garante vivo nas disputas até hoje.
O PSDB foi jogado na oposição sem saber ser oposição. Teve que lutar contra um governo que dava sequência àquilo que era mais caro aos tucanos: a sua política econômica. Um pouco perdido no ringue, foi taxado pelo PT como o partido dos ricos. A divisão “nós contra eles”, feita prioritariamente por Lula, deixou os tucanos sempre carregando fantasmas que demoraram a ser explicados e defendidos, como as privatizações. Lula conseguiu imensa popularidade e o estrago estava feito no tucanato.
Mesmo com toda a adversidade, o PSDB teve a capacidade de ir para o segundo turno em todas as eleições da Era Lula. Enfrentou o próprio com Geraldo Alckmin, em 2006, e Dilma com Serra, em 2010, e com Aécio, em 2014. A distância para derrotar o PT vinha diminuindo gradativamente até o quase empate em 2014, quando perderam por 52% contra 48% dos votos válidos. O PSDB, taxado de elitista, realmente adotou, mesmo que involuntariamente, esse eleitorado. As classe A, B e C1 do país votaram nos tucanos em todos esses pleitos.
Essa classe mais alta tem um perfil predominante mais à direita, usando o jargão político advindo da Revolução Francesa. Os tucanos, porém, nunca quiseram ou se assumiram como direita. Sempre ressaltaram a social democracia, tentavam de todas as maneiras parecer populares, incrédulos por não terem sido os beneficiários da mudança que iniciaram no país.
Em 2018, Jair Bolsonaro surgiu como o candidato da direita. Assumiu um posto que ninguém antes teve coragem de assumir, já que ser de direita para a classe política parecia meio criminoso no país que teve uma ditadura militar tão recente. A dissonância da classe política com a realidade fez com que Bolsonaro fosse visto como alternativa desde que botou o bloco na rua.
Aliado a esse novo adversário veio a implacável operação Lava Jato que recaiu sobre a classe política dominante e teve em Aécio Neves um dos principais alvos. Geraldo Alckmin e José Serra, também foram envolvidos em denúncias de corrupção, maculando a imagem do partido, que era um crítico feroz da corrupção petista. Sem posicionamento e sem discurso o PSDB amargou em 2018 uma das mais acachapantes derrotas da história da política brasileira. Seu candidato amealhou 5% dos votos, resultado pífio que mostrou ao partido que ele já não mais representava uma opção aos brasileiros.
Com a aposentadoria forçada de suas principais lideranças, o PSDB ensaia um novo recomeço sob a égide de João Doria, governador paulista. Doria, no entanto, parece tudo menos o PSDB histórico. Apoiou Bolsonaro quando lhe foi conveniente, de maneira estratégica e inteligente para ganhar uma eleição complicada. Agora tenta ser uma oposição ao presidente dentro de seu próprio campo político. Acompanhado de João Amoêdo e até de Sérgio Moro nesta avenida, Doria está imprensado e em todos os levantamentos não consegue sair dos mesmos 5% que seu padrinho político Geraldo Alckmin, teve na eleição anterior.
Com um projeto mais pessoal do que partidário, o novo PSDB ainda não mostrou a que veio nesta nova configuração política brasileira. Precisa propor algo novo, ter a coragem para se reinventar. Ser novamente formulador e não só um ocupante de espaços políticos vagos. Recuperar a história de quem prestou serviços fundamentais para o país e enxergar que na crise é que é possível encontrar a aurora.
Em um Brasil carente de novas ideias, os tucanos deveriam focar na proposição de um novo modelo de Estado. Quem reestruturou a economia do país tem cacife para propor uma configuração atualizada e moderna da concepção do Estado brasileiro. Assumindo um novo amanhã, o PSDB pode vencer o ocaso e voltar a dialogar com o eleitorado e recuperar um posto que já foi de sua propriedade: o de importante agente democrático brasileiro.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
Twitter: @brunosoller – Instagram: @brunosoller – E-mail: brunosoller@gmail.com