Estarrece pensarmos que estamos a apenas três meses e meio de um pleito eleitoral e vermos que em quase todas as principais cidades do país, aproximadamente, 70% dos eleitores não saibam dizer os nomes dos candidatos que disputarão a eleição no seu município. A maioria também não faz ideia que o escrutínio foi adiado para o dia da Proclamação da República. Existe um hiato gigantesco e preocupante entre o processo eleitoral e a vida das pessoas.
Os dados poderiam ser fruto da pandemia, que mudou a vida das pessoas e criou novas prioridades, entretanto, ao analisarmos as pesquisas de opinião de contendas passadas, vemos que essa tônica está presente na vida eleitoral brasileira. O abismo do interesse pelas eleições talvez tenha origem no fato de termos uma legislação eleitoral tutelada e que não estimula a discussão. Um engessamento completo que só prejudica a democracia.
Temos no Brasil uma errônea, porém compreensível impressão de que eleição é para os políticos. Grave engano. O voto é a mais importante ferramenta da população. É um processo que deve ser feito para as pessoas, para que estas decidam os rumos que querem para a civilização a que pertencem. É o ápice da participação popular. Um dia em que quase a totalidade do país para com o intuito único de decidir o seu futuro. Essa escolha muda a história da nação e a vida dos seus habitantes.
Com toda essa importância, a quem interessa manter uma campanha eleitoral com apenas 45 dias de duração? Por que inventar uma insanidade chamada pré-candidatura, um status burocrático que não significa absolutamente nada, confunde e não permite o livre debate? Por que o candidato precisa estar filiado a um partido político, um semestre antes da data do pleito, como se em 6 meses as coisas não pudessem mudar, em um mundo que é cada vez mais rápido e mutante?
O Brasil tem particularidades eleitorais que remontam aos abusos do período ditatorial. Uma delas é o domicílio eleitoral. Uma forma que a ditadura encontrou pra não permitir nomes nacionais de se elegerem nos colégios eleitorais mais importantes. Existe também um Tribunal Superior Eleitoral, exclusividade tupiniquim, com origens manuelinas, que não tem eco nas grandes democracias do mundo e que cria esses milhares de regramentos anacrônicos como, por exemplo, o registro de pesquisas eleitorais, com um prazo de 7 dias, para divulgação.
Nos 45 dias oficiais, quase nada pode. As campanhas ficam invisíveis. Pra conhecer o que pensa os candidatos ou busca sua rede social ou assiste ao programa eleitoral, que também está menor. Outra opção é esperar pelos debates, que iniciam tarde da noite, com as normas rígidas que determinam a quem o debatedor deve perguntar, deixando embates insossos e por vezes com um tempo ridículo de 30 segundos para dar respostas.
Sob o argumento de que o eleitor pode ser controlado e coagido pelos candidatos, como o voto de cabresto e o clientelismo, que evidentemente devem ser combatidos, o Estado virou um tutor tão ou mais prejudicial para a democracia ao ser um limitador da relação do eleitor com a eleição. O baixíssimo interesse que os pleitos causam nos cidadãos, só não é menor porque há uma obrigatoriedade de voto, que faz com que no final do processo, o eleitor se engaje minimamente e faça sua escolha em função da obrigação de votar.
Uma eleição mais longa, mais livre, mais participativa teria a capacidade de engajar quem a importa, os votantes. No Brasil, em 1989, a eleição mais longa e a primeira desde a redemocratização, teve seu primeiro debate em julho, quatro meses antes da data. Mesmo longe de várias democracias mundo afora, que têm processos eleitorais que ultrapassam um ano, essa eleição é até hoje lembrada e marcou a vida democrática do país. Não é raro encontrar pessoas que recordam os nomes dos candidatos à época e não se lembram quem foram os que disputaram as últimas eleições.
Para fazer alguém gostar de algo é necessário trabalhar pra que a pessoa participe desse algo. Urge a necessidade de permitirmos que o eleitor se envolva de fato com o sufrágio. Termos um calendário amplo, com diversos debates, com os candidatos apresentando suas ideias e podendo admitir suas candidaturas sem a exigência de formalidades limitadoras e novas formas que possibilitem arrecadações diretas para as campanhas, como, por exemplo, a venda de souvenires.
Eleição é um direito do povo, não é um organismo estatal. A função do Estado deve ser somente a de organizar o pleito e usar os órgãos fiscalizadores pra evitar abusos e desvantagens reais de candidaturas. A dinâmica, no entanto, não pode ser travada.
É desanimador ver que de forma hipócrita e aproveitadora alguns legisladores busquem sempre pautar a unificação das eleições brasileiras e a diminuição dos prazos. Aproveitam do descrédito que causaram para benefício próprio. Uma eleição controlada só serve para manter privilégios a algumas castas políticas. A tutela interessa apenas ao tutor e prejudica sobremaneira a nossa democracia.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
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