Se teve alguém que pôde comemorar os efeitos do auxílio emergencial, esse alguém foi o presidente Jair Bolsonaro. Após uma má conduzida gerência da pandemia no país, com declarações desastrosas, que chegaram a ensaiar uma crise na sua continuidade à frente do cargo de chefe do executivo brasileiro, um projeto capitaneado pelo Parlamento, seu algoz, fez com que o presidente virasse momentaneamente o jogo e se segurasse na opinião pública.
A concessão do benefício do auxílio emergencial conectou Bolsonaro ao brasileiro que mais precisa. O impacto financeiro na vida das pessoas foi de tal ordem que em algumas famílias o rendimento chegou a multiplicar por dez. Pessoas que recebiam 120 reais de bolsa família, começaram a receber 1200 reais. Mudança completa de vida para esses beneficiários. Uma maquiagem temporária importante pra garantir a sobrevivência das pessoas e fundamental para segurar um derretimento na aprovação do presidente.
Essa ação fez com que o desespero com a pandemia virasse uma “gripezinha” de fato. Apesar dos mais pobres serem os que mais temem o vírus, medido em pesquisas quantitativas de diversos institutos, são eles os que menos têm se protegido dele. A movimentação do comércio nas regiões periféricas e nas pequenas cidades é a maior prova disso. Desde a reabertura, os comércios locais tem faturado mais do que no pré-pandemia, em diversas cidades do país. O poder de compra, mesmo que temporário, aumentou e muita gente está vendo um dinheiro que nunca sonhou em ver.
O mais contrastante é que 7 em cada 10 brasileiros perderam renda durante a pandemia, mas com o auxílio o Brasil tem atingido os melhores níveis de saída da extrema pobreza nos últimos 40 anos. Há uma equiparação na base da pirâmide, uma equalização na pobreza. A desorganização estatal para realizar o pagamento ajudou na ideia de não saberem quando o auxílio termina. Alguns começaram receber no início e outros tiveram acesso ao primeiro repasse agora. Soma-se a isso, a ideia lançada do Renda Brasil que gera uma expectativa de que o auxílio será perene.
A ineficaz condução da crise pandêmica, a saída de Mandetta e Moro, a suspeição de agir em próprio benefício ao mudar cargos chave da Polícia Federal, a prisão de Queiroz e as denúncias que envolvem o senador e seu filho Flávio Bolsonaro, afastaram o eleitor de classe B de Jair Bolsonaro. Esse eleitorado que corresponde a 20% do país, votou maciçamente no presidente em 2018. Ao cruzarmos com as pesquisas de opinião que acertaram o resultado final da eleição, estima-se que 65% dessa classe foi sua eleitora. Com esse afastamento e a dificuldade histórica em dialogar com o eleitorado de C2 e D, Bolsonaro estava restrito à classe C1, preso no voto evangélico.
Ao assumir o auxílio emergencial como política sua, Bolsonaro conseguiu romper uma barreira identitária com as classes mais baixas e aumentou sua presença nesse eleitor, praticamente repondo a perda que teve na B. Uma inversão de eleitores. Entretanto, para conseguir atender os anseios desse novo público, terá que necessariamente rasgar a cartilha liberal que pregou com a indicação de Paulo Guedes para comandar a economia. É praticamente impossível manter a ideia de redução do estado, tendo que arcar com uma renda mínima para todos, algo que é esperado com o lançamento do Renda Brasil.
Paulo Guedes ensaia a criação de um novo imposto, nos moldes da extinta CPMF, que poderia ser a fonte para custear esse projeto. O bate cabeça governamental, no entanto, não deixa isso claro, já que esse novo imposto é usado de bengala para diversas negociações que vão desde essa renda mínima até a desoneração da folha de salários de empresas. Guedes tem sido pressionado a lutar pelo que não acredita e terá uma oposição considerável na Câmara dos Deputados, já que Rodrigo Maia tem sido desde o governo Temer o maior bastião desse enxugamento da máquina, sendo responsável por pautar o teto de gastos, a reforma trabalhista e a previdenciária.
O novo foco do governo exigirá de Bolsonaro esse compromisso. Não há nada pior do que dar e depois tirar. Dilma foi penalizada por tirar aquilo que Lula tinha dado. Bolsonaro pode repetir em pouco tempo esse cenário de ilusão e desilusão, caso essa política não se sustente. Se perder esse diálogo com as classes C2 e D, o cenário caótico dos primeiros meses da pandemia poderá se repetir e dificilmente haverá uma recomposição com a classe B, que se desprendeu e que tem voz em outros candidatos como Moro, Doria e Amoêdo.
O presidente por uma oportunidade apostou alto e tenta se aproximar do Nordeste, região com a maior classe C2 e D do país, com o apoio de políticos do centrão, buscando por meio de agendas oficiais e comunicação institucional atingir o brio nordestino e criar uma linha de identidade pautada na garra, na sobrevivência e na humildade. Ir na raiz do sertanejo para mostrar que o o presidente, mesmo distante, tem valores iguais ao dele.
A missão tem sido razoavelmente exitosa. A desaprovação ainda é muito maior que a aprovação, mas há uma expectativa de crescimento a cada real pingado na conta. As dificuldades para manter essa política, no entanto, podem ser arrebatadoras e fazer com que “o mito” seja reduzido a um encantador de serpentes. Se o auxílio emergencial não perdurar, seja na forma que for, o presidente precisará de muito auxílio para conseguir se manter num país que estará quebrado e empobrecido.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
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