Por Bruno Soller(*)
Há quem possa presumir que o artigo trataria sobre a política de isolamento necessária em tempos de covid-19, ledo engano. O distanciamento ao qual o título se refere é o de classes. Enquanto, encantados pelo auxílio emergencial, os brasileiros de C2 e D ainda não sentem diretamente o efeito da pandemia, os de B2 e C1, a classe “média média” se vê desgarrando da possibilidade de se tornar elite e se aproximando das camadas mais pobres da sociedade.
A cada 10 brasileiros pesquisados, 7 foram impactados com a diminuição de renda (pesquisa DMCard). Muitos ficaram sem emprego e outros viram que a empresa pode se virar e bem pagando menos para ele produzir até mais de suas próprias casas. Os avanços tecnológicos ajudaram sobremaneira nessa situação. Incongruente é pensar que ao mesmo tempo em que a conectividade permite essa interação, com a diminuição de renda, a tal internet pode ser limitada a vários brasileiros, que teriam dificuldade em arcar com os custos dos planos.
No país em que muitos se preocupam com o tempo de demora do delivery do restaurante preferido e tem a capacidade de controlar a trajetória do motoboy que vai lhe levar a comida que já foi paga por seus cartões black, há uma infinidade de brasileiros se agarrando em uma ajuda governamental, que parece ser uma tábua de salvação para um ano economicamente perdido. Até rearranjos conjugais, com desquites pensados, entram na equação para que a família possa receber em duplicidade o auxílio.
Nesse cenário que já é desolador, o fio ainda parece estar no começo e há muita linha para desenrolar. Por mais que haja uma continuidade de um projeto de renda emergencial, ele deverá ser diminuído no montante, por uma simples questão: a conta dificilmente fecha. A arrecadação das cidades, estados e do país diminuiu drasticamente. A projeção é de menos recursos para investir e mais novos usuários dos serviços básicos.
Nada é pior do que perder o que se tem. Essa sensação de frustração econômica já provocou profundos impactos em diversas sociedades mundo afora. Para quem pôde matricular o filho em uma escola privada e provou de uma educação de maior qualidade é desolador ter que retornar a uma escola pública, onde muitas vezes nem mesmo o material escolar do aluno chega antes do início letivo. É ruim ter que recorrer ao posto para buscar o remédio, que muitas vezes falta e saber que antes você tinha condições de pagar por ele numa farmácia qualquer.
A aproximação dos remediados com a pobreza é o efeito mais significativo da pandemia. Passaremos por um achatamento da classe média e uma distancia ainda maior entre a elite os mais necessitados. E isso muda a característica da sociedade. As prioridades são outras e o entendimento da vida também. É bem verdade que em um país de mais de 200 milhões de habitantes, uma elite de 6% é numerosa e sozinha é maior que muitos países do globo, e isso garante que haja um mercado consumidor interessante para grandes marcas, que se perpetuam e dão sentido a uma casta isolada.
Na política, o populismo vira a arma de mira constante. O varguismo trouxe uma forma de governar que concebeu a ideia do pai estado. Em um país que acabara de superar a escravidão e que tinha uma camada inteira marginalizada, o gaúcho estipulou um contrato social entre o estado e a sociedade com a legislação trabalhista, que garantiu direitos básicos aos trabalhadores. A partir daí, quem quiser dar certo eleitoralmente no Brasil, precisa ter esse diálogo de massas, que muitas vezes só ajuda na perpetuação dessa situação.
Falta ao Brasil um novo conceito de desenvolvimento da nação. É incrível perceber que com toda essa crise, pouco se discute sobre o pós-pandemia e as maneiras que vamos superar todo esse legado. Não há uma linha de defesa, nem na situação, tampouco na oposição. Por inércia, vemos, por exemplo, o agronegócio como salvação e então investimos nele, mas sem a necessária dimensão de um projeto de país. Na escada do desenvolvimento, nós não conseguimos ainda achar os nossos degraus.
Assumir-se e ter a real dimensão de quem é o brasileiro de verdade, que tem quase 60% de pessoas que vivem com uma renda mensal de menos de 1500 reais por mês é importante para que não vivamos fora da realidade. Os próximos tempos serão de dificuldades e esse olhar social é mais do que necessário. No entanto, é urgente que ele não seja limitado novamente a uma visão patriarcal de manutenção dos bolsões de miséria.
É hora de um olhar de alinhamento entre as necessidades do futuro e as agruras do presente. Não é só remediar, mas é vacinar contra problemas vindouros. Só teremos chance de superar essa grave crise humana, quando entendermos que só o desenvolvimento real de regiões do país poderá fazer com que a população local prospere. É uma união de oportunidade, educação e realização financeira. A criação e implantação de um novo modelo de desenvolvimento é a ponte possível para encurtar o distanciamento social.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
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