Eleições Brasil

Realmente importa

Por Bruno Soller (*)

O senso dos norte-americanos sobre as eleições nacionais nunca teve tão apurado. O país dos que se auto constroem, independente do estado, sempre teve uma percepção sobre o processo eleitoral como uma corrida em que os efeitos finais eram pouco influenciadores para suas vidas de modo geral. Uma ideia de uma certa lógica administrativa e uma constância história, com poucas alterações significativas no modo de se fazer, fazia com que as eleições ficassem sob a lógica da disputa ideológica entre democratas e republicanos. A experiência Trump, no entanto, mudou essa percepção.

Para o bem ou para o mal, Trump revolucionou a forma como os americanos veem a instituição presidência da República. O magnata dos hotéis e cassinos implementou um novo modelo de governar que superou valores postos por décadas e que desafiou a relação de preservação da imagem presidencial, que era tão cara aos seus compatriotas. O efeito disso é expresso em pesquisa da Pew Research que mostra pela primeira vez nos últimos 40 anos mais de 80% dos votantes dizendo que realmente importa quem vai ganhar as próximas eleições nacionais. Para termos uma ideia, na eleição pós ataques às torres gêmeas, episódio mais traumático para o país, apenas 67% diziam que o efeito de quem vencesse as eleições era muito importante para o futuro. Hoje, 16 anos depois, 83% afirmam isso.

Essa relevância maior da eleição americana promete fazer com que a quantidade de votos seja aumentada. Com a possibilidade dos votos por correio, o “comparecimento” tende a crescer e muitos independentes podem votar. Trump é bastante crítico ao voto à distância e entre seus eleitores apenas 17% dizem que irão votar dessa maneira. Já os de Biden, são 58% que pretendem aderir ao voto postal. Por pura ironia, alguns democratas diziam no início das prévias do partido, que poucos seriam aqueles que sairiam de casa para votar em um candidato insosso como Biden e, agora, essa realidade se dá, em função da pandemia, e com outra lógica.

Uma certa neutralidade de Biden, que muitos enxergavam como fraqueza, tem permitido atrair um público diverso, que admite votar no democrata apenas para derrotar o Trump. 56% dos votantes de Biden, alegam que estão o escolhendo por essa razão. Apenas 9% dizem votar nele por suas posições políticas. Os números são bastante contrastantes com Trump, que tem 23% dos seus apoiadores que o escolhem pela sua liderança e mais 21% pelas suas posições políticas. Ainda são 17% os que votam porque ele representa os valores e o povo americano.

Essa luta de dois perfis absolutamente diferentes garante uma contenda bastante acirrada. As últimas pesquisas de opinião, feitas pelas rivais CNN e FOX, convergiram e apresentaram um quadro de empate técnico, com uma subida vertiginosa do atual presidente nas últimas semanas. A diferença que era de 14 pontos, agora é de, apenas, 4. Os cruzamentos de aprovação da presidência e da subida de Trump indicam que o motivo maior para essa alavancada vem da política externa, principalmente das ofensivas militares contra o Estado Islâmico e o acirramento de tensões com a Rússia e a Coreia do Norte. O apoio de 37%, medido pela Rasmussem, para que o país usasse sua força militar para impedir o desenvolvimento de armas nucleares pelo país comandado por Kim Jong Un é um exemplo disso.

Com Kamala Harris escolhida para vice, Biden tenta colocar um pouco de tempero na sua chapa. O ex-vice de Obama, atraiu uma mulher jovem, negra e progressista para formar dupla com ele, branco, velho e moderado. O voto negro, importante bastião de apoio dos democratas é fundamental nesse jogo. Por incrível que possa parecer, Trump por suas posições extremadas é o republicano que melhor performa entre os negros, comparando com as últimas candidaturas do partido, com cerca de 14%. Há uma parcela de negros conservadores religiosos, que não compactuam com as manifestações pós caso Floyd e veem no presidente um homem que defende o interesse do cidadão americano acima de qualquer coisa. É interessante ver que não é só a identidade racial que conta neste voto, já que o astro do rap Kenye West, candidato independente, é quem tem a maior rejeição (66%) entre o eleitorado afro-americano, superando Trump (57%).

O voto latino tão disputado em 2016, está sem conexão com as candidaturas. Com o avanço da covid-19, na Flórida, onde existem 17% de votantes latinos, Trump viu um eleitorado que tende a votar nos republicanos, principalmente pela posição do partido em relação à ditadura cubana, já que a maioria é oriunda da terra de Fidel Castro, se perder. Kamala Harris será a estratégia de Biden para converter esse voto. Em pesquisa feita com eleitores latinos, antes de sua escolha para a composição majoritária, 59% a tinham como melhor candidata. Durante as primárias era nesse público, que a ex-procuradora geral da Califórnia, estado com maior concentração latina, tinha sempre boa pontuação.

Há menos de três meses da eleição, o cenário é bastante aberto e incerto. A recuperação econômica dos primeiros anos de mandato de Trump parecem ter caído no ostracismo com as duras consequências da pandemia. A discussão nesse momento é sobre liderança, capacidade de governar, tolerância e inclusão. As pautas são menos administrativas e mais pessoais. A forte personalidade de Trump é o seu maior ativo e também sua maior fraqueza. A neutralidade de Biden é também sua potencialidade mais forte e sua maior deficiência. O fato é que o mundo está esperando pelo resultado dessa eleição. O efeito cascata que a escolha da maior democracia da Terra gera é muito grande e saber quem governará os Estados Unidos da América, pelos próximos quatro anos, realmente importa.

(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.

Twitter: @brunosoller – Instagram: @brunosoller – E-mail: brunosoller@gmail.com

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do portal Eleições Brasil, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.

Sair da versão mobile