As eleições de 2020 serão as primeiras com um limite mais rígido fixado em lei para as doações que os candidatos podem fazer a si mesmos. O teto será de 10% do limite de gastos para o cargo em disputa e foi fixado em lei aprovada pelo Congresso Nacional em 2019. O limite por cargo é fixado pelo TSE a cada eleição, com base na legislação eleitoral, e varia de acordo com o cargo e a cidade.
O limite para o autofinanciamento visa a tentativa de evitar a vantagem dos candidatos muito ricos. O exemplo mais lembrado é o do empresário e atual governador de São Paulo, João Doria, que em 2016, quando foi eleito à prefeitura da capital paulista, doou R$ 4,4 milhões à própria campanha, o que equivale a 35% do total gasto por ele naquela eleição.
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Até a eleição de 2012, o limite de gastos era fixado pelo partido e tinha que ser declarado à Justiça Eleitoral. Os candidatos podiam doar dentro desse limite à própria campanha, ou seja, na prática, não havia restrições.
Em 2014 uma decisão do TSE passou a limitar a doação a si próprio a metade do patrimônio do candidato. A eleição seguinte, de 2016, foi a primeira a ter um limite de gastos estabelecido por lei, mas ainda não havia limite a autodoação de candidatos à própria campanha. A eleição de 2018 transcorreu sobre as mesmas regras, até a decisão do Congresso em 2019 sobre o novo teto que pode ser doado à própria campanha.
Limite mais alto nas grandes cidades
Os limites de gasto de 2020 serão oficialmente divulgados pelo TSE nos próximos dias, e serão calculados com base na atualização da inflação sobre o valor dos limites de 2016. Por exemplo, em São Paulo, que em 2016 teve um limite de R$ 45 milhões para o primeiro turno na disputa pela prefeitura, deverá ter um teto de gastos neste ano de cerca de R$ 51 milhões, segundo cálculo feito pela reportagem. Assim, um candidato a prefeito na capital paulista poderá doar a si próprio até o limite de R$ 5,1 milhões.
Isso indica que as doações feitas por Doria à própria campanha em 2016 estariam dentro do limite que será aplicado nessas eleições, caso a regra estivesse em vigor naquele ano. Especialistas em direito eleitoral apontam que ao criar um percentual único para calcular o teto de autofinanciamento em todo o país, a lei não atinge seu objetivo nas grandes cidades por continuar a permitir doações de altas somas pelos próprios candidatos.
Comparamos o limite de gastos para prefeito nas capitais em 2016 com o valor de fato utilizado nas campanhas mais caras nessas cidades. O objetivo da comparação é simular qual seria a consequência da aplicação da regra deste ano nas últimas eleições municipais. Em cinco capitais, o limite para autodoação ficaria acima de 25% do custo da campanha mais cara. É o caso das cidades de São Paulo (28%), Curitiba (27%), Belo Horizonte (26%), Natal (46%) e Vitória (72%). Nas outras 21 capitais, esse percentual variou de 9% a 20%.
Em São Paulo, a campanha mais cara não foi a de Doria, mas a de Fernando Haddad (PT), então prefeito e derrotado no primeiro turno, que declarou ter gasto R$ 16 milhões em 2016. Se tivesse sido aplicado em 2016, o limite para autodoação seria maior que R$ 1 milhão em cinco capitais (em valores da época, sem ser aplicada a atualização pela inflação): Fortaleza (R$ 1.240.849), Salvador (R$ 1.467.938), Rio de Janeiro (R$ 1.985.835), Belo Horizonte (R$ 2.669.737) e São Paulo (R$ 4.547.021).
Como é feita a conta
A regra geral para chegar ao valor do limite de gastos em 2020 é simples. A legislação estabelece como parâmetro o valor da campanha mais cara para cada cargo em 2012, também ano de eleições municipais, e fixou como 70% desse valor o limite de gastos em 2016. De 2016 para 2020 é só aplicar a correção pela inflação.
O problema é que em 2012 ainda era possível a doação de empresas aos candidatos, o que inflou o teto em comparação com as campanhas atuais, quando só é permitido doações de pessoas físicas e dinheiro dos fundos eleitoral e partidário.
O advogado Fernando Neisser, coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), afirma que o limite aprovado para esta eleição não atinge o objetivo de impedir doações vultosas nos grandes centros e cria uma distorção nas pequenas cidades, limitando excessivamente os candidatos.
“A gente precisava ter, [isso] era urgente, uma medida que impedisse o chamado efeito Doria: uma pessoa muito rica custeando substancialmente sua eleição. Mas essa medida como foi aprovada não serve para isso”, diz o advogado.
“[A lei] criou uma distorção que recai sobre os candidatos de pequenos municípios, e não serviu para controlar autodoações substanciais nos grandes centros, cujo teto é muito alto” Fernando Neisser, coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político)
Cidades pequenas
Nas cidades de até 10 mil eleitores, que representam 54% dos municípios brasileiros, o menor valor para o limite de gastos nas campanhas de prefeito deve ser de aproximadamente R$ 112 mil, e de R$ 11 mil para vereador, novamente em valores atualizados pela reportagem. O valor pode ser maior em algumas das cidades desse porte, a depender do volume de gastos da campanha de 2012, parâmetro utilizado pela legislação para fixar os limites.
Logo, um candidato a prefeito nessas cidades poderia doar à própria campanha cerca de R$ 11.200, já um candidato a vereador, ficaria limitado a utilizar R$ 1.100 do próprio dinheiro para financiar sua campanha.
Como comparação, o limite para doação de pessoas físicas aos candidatos é de até 10% da renda bruta anual declarada à Receita Federal no último ano. Isso significa que uma pessoa que se declarou isenta do Imposto de Renda pode doar até R$ 2.855 ao político de sua preferência, valor maior que o teto de autodoação para vereador nas cidades menores.
Para o advogado e professor de direito eleitoral Renato Ribeiro de Almeida, o problema de limites muito baixos é que eles podem ter o efeito contrário ao pretendido e servir de estímulo a gastos não declarados.
Fonte: UOL