Por Bruno Soller (*)
Uma das notórias mudanças na avaliação dos brasileiros sobre o país nos últimos anos é o peso que a questão da segurança pública tem nos seus problemas diários. No período pré-eleitoral de 2018, ao se iniciar uma discussão qualitativa, a temática vinha à tona e dominava boa parte dos grupos. Nas quantitativas, fulgurava na primeira posição como o maior problema do país, em diversas localidades. Hoje, o assunto parece ter perdido a relevância que tinha em poucos anos atrás. O mais incrível, é que os números da violência no Brasil ainda são alarmantes. Apesar de uma leve melhora nos índices, ainda estamos entre os países mais violentos do mundo.
No final do governo Temer, o tema segurança dominou o noticiário político do país. O Rio de Janeiro sofreu uma intervenção do exército para tentar colocar ordem na guerra entre o estado, a milícia e as facções de narcotraficantes. Além disso, Raul Jungmann, então Ministro da Defesa, foi escalado para comandar o Ministério da Segurança Pública com a lógica de operacionalizar a integração nacional dos serviços que são constitucionalmente estaduais, acoplando dados das polícias locais, criando o sistema único de segurança pública.
A pauta foi tão dominante, que o capitão Jair Bolsonaro fez uma campanha eleitoral prometendo colocar ordem na casa, perseguindo a bandidagem, e que foi simbolizada com a marca da “arminha” feita com os dedos pelo candidato, hoje, presidente. O serviço segurança pública atraiu eleitores de classe C2, das regiões periféricas das grandes cidades, a votarem no presidente eleito, já não aguentando mais conviverem com o tráfico de drogas na porta de suas casas e o medo de perderem seus filhos para o exército do crime organizado.
Em São Paulo, Márcio França e Paulo Skaf escalaram mulheres policiais militares para serem suas vices. João Doria, embalado no BolsoDoria, prometeu aumentos espetaculares para a polícia militar, querendo superar um certo trauma da corporação com os governos tucanos do estado. Vários militares foram eleitos nessa onda, tanto para cargos majoritários, quanto para cargos legislativos, como, no Paraná, o Sargento Fahrur, famoso pelos memes de internet, e, em São Paulo, a policial Katia Sastre, que virou deputada federal, entre as mais votadas, famosa por desferir tiros em bandidos que tentaram assaltar uma escola, em Suzano, na grande São Paulo.
Nos debates eleitorais, a questão da saidinha dos presos, a proibição ou não de visita íntima, uma nova forma de endurecer a progressão da pena, mais polícia na rua e o equipamento das brigadas, foram presentes e altamente discutidos. As pessoas vibravam
com posições mais firmes no combate ao crime. Tudo isso parece ter sido arrefecido por alguns fatos que ocorreram e por certa normalidade que se criou na convivência com a insegurança.
A ação isolamento de líderes do crime organizado, como, por exemplo, Marcola, do PCC, foram amplamente divulgados pelo governo federal e angariaram a simpatia do público que já havia votado no presidente. Sérgio Moro, ministro da Justiça à época, com sua áurea de probidade, foi o propagandista do governo nessa ação. Aliado a isso, a flexibilização da posse de armas de fogo, também agradou a esse eleitor. Intuitivamente, o brasileiro começou a ver mudanças na forma que o estado trataria o tema, dando uma boa expectativa, que serviu para arrefecer críticas sobre um estado inerte.
Esse momento gerou uma mobilização dos governadores que investiram em maior presença da polícia militar nas ruas, na maioria dos estados brasileiros. Esse fato, primeiramente encarado como positivo, todavia, trouxe alguns outros entendimentos para o cidadão, principalmente, quando analisado pelo aspecto das classes sociais. É abissal a diferença de forma como essa maior presença é vista nos vários estratos sociais do país, em função das realidades de cada nicho.
Para o eleitor de A e B1, mais polícia na rua mostra uma presença importante, uma ideia de ordem e gera a chamada sensação de segurança. Nas classes média-media, B2 e C1, há torcida para que a polícia aniquile bandidos e gostam do papel forte que os militares podem desempenhar no combate ao crime. Relevam as mortes por acidente e consideram fundamental uma polícia atuante. Já nas classes baixas, mesmo na C2, que esperava do presidente proteção, as abordagens truculentas assustam e geram uma antipatia pela proposta.
São inúmeras as pessoas de classe mais baixa que afirmam, em grupos de foco, sentirem-se mais seguras com a proteção do tráfico do que com a da polícia. Algo assustador, mas que mostra uma falência do estado em boa parte dos 54,6% de pessoas que compõem as classes C2 e D do país e que vivem com menos de 1500 reais de renda média familiar, em subúrbios, favelas e comunidades. O caso envolvendo o jovem negro, brutalmente assassinato por policiais brancos americanos, popularizou esse discurso que era dominante em uma ala progressista de classe média-alta. O pobre assumiu o medo de ser taxado de marginal. Esse sentimento é ainda mais forte entre os jovens desse mesmo corte social.
Essa dicotomia de visão, fez com que o tema caísse para um segundo plano. Os diversos policiais ou homens da segurança que querem sair candidato nas próximas eleições já estão se reposicionando como bolsonaristas, uma espécie de ideologia, e não mais como os resolvedores do crime. Parte da classe média alta, parece ver certa evolução no tema, mas entende que o processo é mais jurídico e menos operacional, não acreditando no milagre policialesco. A classe média-média torce pela efetividade das ações e parece satisfeita com o que tem visto até aqui, pedindo bis, mas atendida em parte de seus anseios. Já a classe baixa se sente vítima desse endurecimento e, portanto, deixou de lado essa prioridade, porque está mais preocupada em se defender dos abusos.
A problemática perdura e a solução que parecia resolutiva, não se materializou. Os crimes bárbaros continuam, os assaltos em ônibus e roubos de celulares são recorrentes, existem os territórios que são impenetráveis e precisam de autorização dos traficantes para circulação, mas esse tema parece ter cansado um pouco. Novos problemas apareceram e a expectativa que era de uma bala de canhão virou uma biriba. Lamentavelmente, o brasileiro tem, por necessidade, se acostumado a conviver com a situação em todas as suas formas, maneiras e jeitos, e a insegurança que era só com os bandidos, virou também com a própria política de segurança.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
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