*Por Bruno Soller
Celeiro agrícola do mundo, o Brasil tem se tornado cada vez menos rural. Com a intensificação do êxodo do campo, nos anos 80, e o desenvolvimento da produção agrícola, mecanizada e moderna, o mundo do agro é potencialmente mais urbano. O pulsar de grandes cidades no interior do País, em regiões outrora com densidade populacional baixa, tem criado uma sociedade que vive dos efeitos econômicos do campo, mas que enfrenta o dia a dia citadino.
Essa mudança de característica do brasileiro advindo do mundo agrícola também gerou uma nova maneira desse público se relacionar com a política e com o voto. O Brasil rural foi quem mais sofreu com o coronelismo e o voto de cabresto nos idos da República. O campo era terra fértil para a manipulação do eleitorado. O desenvolvimento do setor, no entanto, permitiu maior geração de riqueza e renda, formando clusters de classe B2 e C1 e a integração com a vida na cidade, a partir da construção de polos urbanos em meio aos cinturões agrícolas.
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Apesar dessa evolução social, é necessário pontuar que o Brasil mais defasado economicamente ainda é o rural que vive da agricultura de subsistência e encontra-se principalmente no sertão nordestino. Cidades como São Luís do Piauí, na microrregião de Picos, tem mais de 70% dos habitantes classificados, segundo critério Brasil, da ABEP, em classe D. A renda média mensal de uma família de classe D é de R$862,41, 65% de um salário mínimo.
O voto do setor agrícola está intimamente ligado às nuances de renda. Em regiões onde houve a urbanização do agro e a condição financeira da população é maior, há um comportamento eleitoral. No país rural, que enfrenta a miséria e até mesmo a fome, o perfil do voto é outro. Ficando no próprio Nordeste, ao se analisar o desempenho de Lula e Bolsonaro, é bem perceptível essa diferenciação. Em Viçosa, Alagoas, capital da bacia leiteira do Estado, Lula teve 65% dos votos ante 35% de Bolsonaro. Já em Imperatriz, no sudoeste maranhense, região de pecuária e extrativismo, Bolsonaro atingiu 55% dos votos contra 45% do atual presidente.
Olhando para essas duas cidades, percebe-se algumas pistas que confirmam essa desigualdade no mundo agrícola. Viçosa possui 27% da população em zona rural, um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de 0,607, médio, e um PIB per capita de R$3.227,52. Imperatriz possui apenas 5% da população em zona rural, um IDH de 0,731, alto, e R$27.880,96 de PIB per capita. Uma diferença abissal, comparando duas cidades do interior nordestino.
Ao se analisar o eleitor dos polos urbanos agrícolas, de classe B2 e C1, principalmente na realização de grupos de foco qualitativos, alguns pontos chamam a atenção. Palavras como pátria, liberdade e segurança são repetidas por diversas vezes. Este eleitor sente orgulho de fazer parte de uma sociedade que produz da terra, gera um sentimento de pertencimento, de fazer pelo País. As leis que controlam a produção, seja por questões ambientais ou de licenças burocráticas, são mal vistas e responsabilizadas por tolher mais progresso. Isso implica na defesa constante da ideia de liberdade. Os resquícios da luta dos sem terra e a própria questão da violência no País promovem um levante em prol de mais segurança e armamento pessoal.
Esses pontos coadunam com a visão de mundo do bolsonarismo. Os eleitores sentem no ex-presidente um líder que defende ipsis litteris a mesma causa e enxergam em Lula e no PT a antítese de tudo que acreditam. Associam palavras como desordem e caos aos petistas, de certa forma os culpando pela questão da violência no campo, além de os acusarem de querer acabar com a propriedade privada. Neste ponto, exalta-se ainda mais o discurso de que há um plano para tornar o Brasil comunista. Em recente pesquisa, o Instituto Datafolha trouxe que 52% dos brasileiros acreditam que o país corre o risco de virar comunista, e ao fazermos o corte olhando apenas para esse setor da sociedade, essa percepção atinge 65%.
Essas preocupações passam ao largo quando analisados os eleitores rurais, que atuam em pequena escala e muitas vezes acabam por consumir o que produzem em busca de saciar a insegurança alimentar que os ronda. Para esses, há uma necessidade maior de o Estado prover. São gratos a Lula pela sua primeira passagem à frente da Presidência e enxergam que algumas medidas os beneficiaram diretamente. Pouco comentado, o programa Luz para Todos é sempre lembrado por esse público, que teve acesso à energia elétrica por meio dessa intervenção federal. Possuem menos medo de invasões, já que seus pedaços de terra são consideravelmente menores e há pouca mecanização ou maquinários de valor. Olham para a questão eleitoral com o desejo de conseguirem uma prosperidade induzida pelo governo.
Essa dualidade do eleitor do agro brasileiro é mais um reflexo da grande desigualdade social que há no País. A variável renda é a que mais pesa nessa distinção de olhar de necessidades. No Brasil de quase empate entre lulismo e bolsonarismo, quem quiser vencer o próximo pleito com alguma tranquilidade precisará conquistar eleitor do outro e, contudo, terá a necessidade de entender os porquês que motivaram o voto em cada um dos lados e traçar uma estratégia para conseguir dialogar com quem o preteriu. O agrovoto está muito longe de ser homogêneo e insta compreender que cada segmento tem suas dores e sabores, sendo que o mais importante é conseguir percebê-los sem discriminação.
*Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University.
Artigo originalmente escrito para o blog “De Dados em Dados“, do Estadão.
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