Por Bruno Soller
“Não podemos escolher nossas circunstâncias externas, mas sempre podemos definir como responder a elas” disse o filósofo grego Epíteto, 100 anos depois da morte de Cristo. Esse ensinamento distante, nunca se mostrou tão atual e é parâmetro para analisar a conturbada comunicação presidencial brasileira durante esse período da pandemia da covid-19.
Em tempos de crise as figuras dos líderes nacionais ganham sobremaneira relevância. Há uma expectativa pelo norte, pelas indicações, pelo esclarecimento e pelo conforto. É o momento em que se faz necessária suas presenças para a população. Em países em que a tradição do debate político é incipiente, como o Brasil, mais do que nunca, nessa hora, que a conexão com o líder máximo se revela importante.
Sempre ao ouvir participantes de pesquisas feitas em grupos qualitativos de foco, espalhados pelo Brasil, uma característica do presidente Jair Bolsonaro é reconhecida mesmo entre aqueles que não concordam com a sua linha ideológica: sua coragem e até mesmo sua boa intenção. Se sua capacidade técnica é sempre questionada, sobra toda vez uma expectativa de que ele enfrentaria os problemas. Não se espera nunca do capitão, fraqueza.
Com a chegada do coronavírus ao Brasil, e o medo assolando as pessoas, impressionadas com os estragos que a epidemia causava em vários países do mundo, em locais que são símbolos para a consciência coletiva, como a Europa e os Estados Unidos, os olhos voltaram-se ao presidente e criou-se a expectativa sobre a escolha de como ele responderia à circunstancia externa. De maneira ainda prematura, sem entender a demanda popular, buscou-se a diminuição do problema, algo que alguns outros líderes também fizeram. Nesse momento, parecia até um ato de proteção ao seu povo, uma forma de cuidar e não alarmar. Tudo era muito nebuloso, ainda cabia dúvida.
O tempo foi rapidamente passando e as primeiras ocorrências começaram a ganhar corpo, o assunto dominou o imaginário, o confinamento ganhou força e a realidade se impôs. Líderes que iniciaram a luta com a minimização do problema, mudaram a nau de forma definitiva e resolveram enfrentar a crise. Donald Trump e Boris Johnson, dois céticos de início, viraram leões na luta contra o vírus, referendando o ensinamento de Confúcio: “um homem que cometeu um erro e não o corrige, comete outro maior ainda.”
Nesse ínterim, Bolsonaro convocou cadeia nacional de televisão. Seria sua primeira fala oficial a nação. As pessoas confinadas e a audiência bastante grande. Para se ter ideia, em uma cidade do interior de Pernambuco, ao medir o impacto da fala do presidente, descobriu-se que mais de 60% dos entrevistados haviam visto o pronunciamento. O resultado foi um show de erros. O presidente errou na forma, lendo um teleprompter mal e porcamente, errou na mensagem, indo ao lado oposto do que a maioria da população pensava, mesmo dizendo sobre algo que é impactante, sua preocupação com os efeitos econômicos, errou na construção atacando uma emissora de TV e não o vírus, e errou, principalmente, na percepção ao não ser sensível ao sofrimento das pessoas. O rugido que se esperava do leão brasileiro saiu engasgado.
Uma semana depois, nova convocatória, mudança leve de postura, mas estrago feito. Um vai e volta de posição, um bate cabeça com o congresso, com os governadores de estado e interno, divergindo publicamente de seu próprio ministro da saúde. As pesquisas de opinião dos mais variados institutos todas mostrando a falta de confiança no presidente nessa luta. Uma média de 70% dos brasileiros não acreditando na capacidade de Bolsonar em arrostar a adversidade. O capitão perdeu a liderança, um dos seus principais ativos. Pouca gente esperava dele grandes erudições, mas a maioria esmagadora entendia que com ele haveria comando.
Lutar contra a realidade não é propriamente uma escolha inteligente para dar respostas a uma crise externa e que atinge pessoas diretamente. É fundamental saber a hora de falar e a hora de ficar calado. É impositivo entender o que as pessoas pensam, como afetar sua audiência, como construir um discurso que faça sentido às pessoas e principalmente, a forma de fazê-lo. A televisão diferente dos tuítes (muito usados pela comunicação presidencial) tem um componente chamado emoção. Não se pode só jogar uma ideia, tem que construí-la. Tem que impactar.
Bolsonaro teve 55% dos votos para presidente da República, no segundo turno de 2018. Isso significa que 45% do país não o escolheu. É um número significativo. Além do mais, parte desses 55% votaram no presidente, em função de rejeitarem mais o adversário, no caso o PT e a candidatura de um indicado por Lula, condenado e preso por corrupção. A comunicação do presidente deve levar isso em consideração sempre. Sua plateia não é composta somente de áulicos, esses são minorias e estão concentrados em estratos da sociedade. O resultado dessa incursão errônea do presidente, gerou uma grande parcela não de arrependidos do voto, já que a alternativa em nada agradava a quem optou por Bolsonaro, mas de decepcionados com a sua postura.
Grandes líderes já passaram por tormentas e conseguiram se reerguer. Entender o que fez de errado é o primeiro passo. Ter a coragem de recuar em batalhas infrutíferas é o que diferencia os comandantes vencedores. A epidemia deve durar mais um bom período e o tempo comunicacional é cada vez mais dinâmico, portanto, ainda há espaço para uma nova postura, um novo entendimento e a tentativa de reerguer a credibilidade no processo. Que o presidente se guie mais pela razão do que pela intuição e que seus próximos rugidos tenham efeito de liderança, ou correremos sérios riscos de só ouvirmos frágeis miados que mais geram insegurança e medo.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no portal Eleições Brasil.
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