Bolsonaro e o voo da Fênix – Parte I

Por Charlles D’Angelus

Não sou cientista político, mas gostaria de pedir licença aos vários amigos que são especialistas em análise de acontecimentos e de cenários políticos para, antes de fazer uma análise focada no exercício de liderança, o que é mais “a minha praia” e minha atividade profissional, discorrer um pouco neste artigo sobre alguns aspectos políticos da “live” mais esperada dos últimos tempos: o vídeo da reunião ministerial divulgado pelo STF.

Inicio comentando o cenário da reunião. O objetivo aqui não é fazer julgamento de valor, nem estabelecer o certo ou o errado, mas sim trazer uma visão do que percebi no vídeo e o que ele já impactou e ainda impactará nos cidadãos e eleitores.

1. Briga de Narrativas

Opositores e eleitores contrários a Bolsonaro têm afirmado coisas como “a reunião ministerial divulgada mais parecia um churrasco em volta da piscina”, que “foi uma reunião na cozinha do Planalto, onde cada ministro cuidava no seu peixe”, que “vários crimes foram cometidos e houve quebra de decoro”, que aconteceram “várias infrações, desmoralização das instituições” ou mesmo que a reunião demonstra “perda de legitimidade política”. O repertório não irá parar por aqui.

Já os eleitores de Bolsonaro, seus apoiadores e políticos da base governista naturalmente defendem o presidente e se manifestam afirmando que o discurso “é de um presidente que pensa em servir o povo” e que “queriam ver o Governador João Doria, o Governador Wilson Witzel e outros adversários políticos como Lula, Ciro e Haddad divulgarem suas reuniões”. Há um vasto repertório também aqui.

Nessa “briga de foices” das narrativas, vamos encontrar um dos lados afirmando que Bolsonaro tentou interferir na PF do Rio de Janeiro e outra narrativa de que Bolsonaro é um presidente totalmente alinhado com os anseios dos seus eleitores.

Para além dos discursos de ataque ou defesa, é certo dizer que a bala de prata disparada para derrubar o “lobo” não surtiu o efeito desejado pelos opositores. Ao olhar o vídeo – fazendo a ressalva de que não sou jurista – não acredito que o material servirá como prova de crime ou prova para alguma ação contra o presidente. A gravação não mostra elementos explícitos ou provas concretas que possibilitem a derrubada do presidente. Portanto, o vídeo converteu-se em um novo alicerce para a disputa de versões, nada mais além.

Entretanto, enxergo duas situações que podem ter desdobramentos jurídicos, as falas destemperadas dos Ministros da Educação e o Ministro do Meio Ambiente. Muitos que escutaram a fala de Abraham Weintraub só confirmaram suas posturas por demais inadequadas, o que não é novidade por ele ser uma espécie de porta-voz de pautas radicais e extremistas dentro do governo. Outros irão achar que foi um discurso inspirador, quase heroico. Sobre a fala de Ricardo Salles, os opositores vão chamá-lo de aproveitador e maquiavélico, sobre a sua defesa de “passar a boiada” mudando as regras ligadas à proteção ambiental e à agricultura, buscando evitar processos na justiça e críticas de ambientalistas. Por ouro lado, os apoiadores do governo vão defender que o ministro está querendo fazer “uma transfusão de sangue”, ao desburocratizar normas que travam o desenvolvimento econômico e que estas não ferem a preservação do meio ambiente. Este episódio me fez lembrar uma frase icônica da ex-presidente Dilma Rousseff: “o meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”.

Deixando de lado o aspecto jurídico e as narrativas, cabe fazer uma análise política mais ampla, já que 2022 chegou antes de 2021 em Brasília. E isso poderá impactar já nas eleições municipais deste ano 2020.

2. Aspectos políticos e de governo

Mesmo sendo prudente aguardar as próximas pesquisas, em minha opinião Bolsonaro, que vinha em queda de aprovação, conseguirá no mínimo estancar sua “hemorragia”.

Se por um lado não acredito que o Bolsonaro volte a ter os mesmos índices de aprovação de antes, em função da perda de apoio de segmentos “lavajatistas”, por outro lado acredito que ele se estabiliza muito mais com a divulgação em massa do vídeo.

Os impactos da publicação da reunião ministerial criam as condições para a reorganização da base de apoio ao presidente e, por causa disso, acredito que ele sai fortalecido ao mesmo tempo em que o discurso da mídia e dos grupos de oposição se satura, pois fica clara a dose excessiva e teatral de “escandalização”. O discurso dos lavajatistas, por seu turno, também perde força e precisará ser rearticulado, após significativo desgaste de imagem do ex-ministro Sérgio Moro.

Uma coisa muito positiva que eu percebi no vídeo foi a coesão de todos os ministros em torno do Plano Pró-Brasil apresentado pelo Ministro Braga Neto. A sequência de falas a respeito, como a do ministro da economia Paulo Guedes, a do ministro da Infraestrutura Tarcísio Freitas, a do ministro da Cidadania Onyx Lorenzoni e a do ministro do Turismo Marcelo Álvaro, injetaram ânimo e ao mesmo tempo deram um “solavanco” para que todos os ministros contribuam abrindo veredas para a implantação de forma sistêmica do programa.

Duas outras falas que eu destaco e que mostram certa divergência, apesar de cada uma trazer luzes importantes, são as do ministro do Desenvolvimento Regional Rogério Marinho e a do ministro da Fazenda Paulo Guedes quando tratam de um aspecto específico do Plano Pró-Brasil.

Concordo quando Guedes critica apelidarem o Plano Pró-Brasil de “Plano Marshall” (pacote de reconstrução da Europa com recursos enviados pelos Estados Unidos), pois não existe nenhum recurso vindo de fora para essa reconstrução do Brasil no pós-pandemia da COVID-19. Outro ponto importante na fala de Guedes é quando ele cobra que a China deveria ter um modelo “Marshall” para financiar aqueles que foram atingidos pela pandemia. Em um dos momentos mais tensos na fala de Guedes é quando ele critica a agenda “de acabar com as desigualdades regionais” que tem trinta anos e que esse discurso é adotado por Lula e Dilma, sendo esse caminho, segundo Guedes, o pior para o governo. Por outro lado, Marinho, que cuida da pasta do Desenvolvimento Regional, foi também muito seguro na sua fala ao dizer que “não existem verdades absolutas” e que ele acreditava que todos que estavam ali, “eram bem intencionados e queriam o bem do Brasil”, além de que ele “não acreditava em uma teoria da conspiração”. A meu ver essas foram as duas falas que geraram mais tensão no time de ministros, mostrando pensamentos e visões divergentes.

Por fim, ainda sobre a fala dos presentes, pasmem, mas para a minha “grande surpresa” a ministra dos Direitos Humanos, da Mulher e da Família, Damares Alves, destacou-se entre os ministros e subiu no meu conceito político por ter sido a única dentre todos os ministros a falar na reunião sobre políticas públicas de forma estruturada e embasada.

3. Bolsonaro e Moro

Sobre Moro, observo que ele se portou na reunião como um ministro distante e apático, visivelmente incomodado com alguma coisa. Por outro lado, ficou explícita a imagem de um presidente chateado, cobrando do seu ministro uma posição em defesa do governo e em defesa de suas posturas frente à pandemia do coronavírus. O presidente, a meu entendimento, esperava que Moro utilizasse mais o seu prestígio para jogar no time do governo e servisse, inclusive, como escudo para o próprio presidente, neste momento de crise sanitária e econômica. Acredito que Moro agiu com uma grande ingenuidade política ao dizer que o vídeo serviria como importante prova contra o presidente. A onda que esse vídeo causou e está causando está longe, acredito, do que era esperado por Moro.

4. Um refrigério para os economistas

Não demorou muito para vermos a reação do mercado. O mercado de Bolsa que operava em queda, nos dois minutos seguintes a divulgação do vídeo, deu um salto e chegou a fechar com mais de 1,30% de crescimento e o Ibovespa futuro está com excelentes previsões para junho. O Câmbio do dólar futuro seguiu também a mesma tendência, o dólar que estava operando em alta, terminou o dia de sexta (22 de maio) em queda de quase 0,30%.

Isso nos mostra que a reação do mercado foi e será muito boa. Outro ponto significativo e que o mercado leu de maneira muito positiva foi o fato de Bolsonaro, após o término da apresentação do plano Pró-Brasil pelo ministro Braga Neto, passar a fala para o ministro Paulo Guedes e se referir ao ministro como uma pessoa importante no governo e que ele, Bolsonaro, não tem nenhuma interferência nos Bancos e na equipe econômica. Além das falas dos presidentes do BNDES, Caixa Econômica e Banco do Brasil terem sido totalmente alinhadas com o superministro Guedes, ouvir que não existe interferência política nas ações econômicas foi para o mercado a “cereja do bolo” da reunião.

5. O voo da Fênix

Na certeza de que muitos esbravejarão ao ler este antigo, a minha impressão, considerando o que li até então nas redes sociais, é de que quem acreditava que esse vídeo acabaria como o Governo Bolsonaro e que teria impacto similar ao áudio de Lula e Dilma sobre a nomeação do ex-presidente e ao áudio do Temer com os irmãos JBS, vai ter que “colocar as suas barbas de molho” novamente.

Aqueles que estão indignados com a forma e a maneira com a qual o presidente e seus ministros se expressaram, talvez estivessem esperando uma reunião eclesiástica. A verdade é que a postura de Bolsonaro na reunião guarda total coerência com o que ele sempre fez, desde os tempos de deputado federal. No vídeo, ele defende o que sempre defendeu como discurso e estratégia de campanha (aqui não estou julgando o mérito, mas sim analisando o seu posicionamento, estratégia e discurso). Bolsonaro sempre levantou as bandeiras da família, Deus, armamento, liberdade de expressão e defesa da produção e do mercado. Na minha impressão, são pontos que ele defende exaustivamente e em que fala com paixão. Não percebo teatro em sua fala.

Diante de todos esses fatos afirmo que o governo do presidente Bolsonaro, que andava em rota de colisão e autocombustão, tal qual uma Fênix, tem agora uma enorme oportunidade de ressurgir de suas próprias cinzas, das crises geradas por si mesmo.

(*) Charlles d´Angelus é HEAD e CMO da D´Angelus Business and Life, Coach Político e Especialista em Mobilização e Treinamento. Escreve com regularidade no Eleições Brasil.  [email protected]

 

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do portal Eleições Brasil, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.