Por Bruno Soller
“Nós somos a Hertz, e eles não”. Com essa frase a gigante de aluguéis de carros se definiu em comercial veiculado no ano de 2016, em todo o mundo. A líder global no setor, com uma simples sentença, evidenciou algo que na política se vê em todos os processos de construção de grandes marcas e personalidades: o nós contra eles. A Coca-Cola precisa da Pepsi, a Visa precisa da Mastercard, o McDonald’s precisa do Burger King, a Apple precisa da Samsung e o Bolsonaro precisa do Lula.
Nomes e marcas fortes geram de imediato algumas sensações neurais que não permitem sermos indiferentes a elas. Todos têm uma avaliação pessoal a fazer sobre Bolsonaro, por exemplo. Esse mesmo fenômeno não ocorre quando em uma pesquisa qualitativa se pergunta sobre Dilma ou Temer. Há uma dificuldade em retratá-los e isso tem uma explicação sensorial interessante: eles não geram qualquer ideia de pertencimento. Raríssimas são as pessoas que se qualificam como dilmistas ou temeristas, mas bolsonaristas e lulistas encontram-se aos montes.
O partilhar de uma mesma ideia é que faz com que os humanos se enquadrem em grupos de pertencimento. Grandes marcas sugerem uma missão e, em uma missão, embarca-se ou não. Quem embarca, a defende com unhas e dentes, quem não adere, tem motivos para não fazê-lo e isso gera uma ideia crítica sobre o fato. Futebolisticamente, quem parte para o ataque no jogo tem o risco de ser contra-atacado, mas, ao mesmo tempo, só faz gol quem se arrisca. A própria lógica religiosa tem esse viés, há uma luta constante contra um inimigo.
Em estudo realizado pelo dinamarquês Martim Lindstorm, comprovou-se que ao serem vistos, os símbolos religiosos para quem se considera devoto, e os logotipos de grandes empresas como Apple, Ferrari, Harley-Davidson, geram o mesmo comportamento de atividade cerebral. Quando eram postas marcas menos conhecidas, o cérebro já perdia o padrão estabelecido. Por essa lógica, é possível entender a adoração quase sagrada que existe sobre alguns políticos e a defesa inconteste de suas ações, por mais que pareçam estapafúrdias para alguns.
O ser humano por mais evoluído que seja, tende a se enquadrar em grupos de pensamentos, que são definidos por sua criação, realidade e valores aprendidos e desenvolvidos. Quando compramos algo ou uma ideia é porque ela nos faz, em algum momento, sentido. Uma pessoa que compra uma água dos Andes, adquire porque sabe que os Andes são frios, tem degelo e provavelmente aquela água é mais pura. É intuitivo. Quem não sabe direito o que é a Cordilheira dos Andes, talvez passe desapercebido dessa noção e nem perca tempo ao escolher um rótulo de água.
Na história política brasileira sempre tivemos uma ideia de enfrentamento de teses e luta de flancos. O fim da primeira república se dá com o surgimento de Getúlio Vargas, o homem que podia derrubar a aristocracia paulista e mineira. O lacerdismo queria destruir a ditadura varguista. Vargas voltou com o nacionalismo contra o “entreguismo” de Dutra. Juscelino Kubitschek veio para a retomada do crescimento de um país parado e fazer 50 anos em 5. Jânio Quadros para limpar o Brasil da corrupção de JK. Os militares vieram salvar o Brasil do comunismo. O MDB lutava pra restabelecer a democracia contra a ditadura militar. Collor veio caçar os marajás do governo Sarney. FHC para combater a inflação. Lula para fazer justiça social e gerar empregos após as crises do governo tucano. Bolsonaro para moralizar o país, impor ordem e não permitir a volta do lulismo, associado à corrupção.
Há uma coadunação de fatores que levam a escolha de um lado e nele está a construção de uma marca forte e a ideia binária de se associar contra aquilo que se quer derrotar. Pequenas ligas que fazem com que as pessoas optem por partes antagônicas e se posicionem em um espectro. Nesse sentido, para se derrotar uma polarização, como a que se vive no Brasil, é necessário polarizar contra ela.
A vitória de Emmanuel Macron, em 2017, na França, é a referência daqueles que querem uma candidatura que não seja nem bolsonarista, nem lulista, vencedora em 2022. Mas, para tanto, o hoje presidente francês construiu toda sua plataforma de campanha fazendo uma clara oposição não a Hollande, em si, e nem aos Republicanos, mas contra ambos. Elegeu um inimigo direto, que era a polarização que atrasava a França. Sua narrativa era que em dois anos como ministro viu como era o combalido sistema francês e, portanto, não haveria qualquer chance de mudança se a França continuasse se alternando entre Socialistas e Republicanos.
O posicionamento do presidente eleito francês abusou da ideia do binarismo. Era um líder jovem e que agregava ideias da esquerda à direita, contra um sistema que se retroalimenta e não deixa a França sair da masmorra. Criou uma marca, contou sua história e achou um inimigo direto. No Brasil, em 2018, Ciro Gomes ensaiou essa posição, mas a marca já era conhecida e não passava essa firmeza toda. Geraldo Alckmin ficou como biruta de aeroporto batendo em todos os lados e não entendeu, assim como Fillon do PRO Frances, que existia uma Le Pen, no caso do brasileiro um Bolsonaro, que invadiu a sua raia sem deixar vestígios.
É impossível pensar em fugir da polarização se ela não for a inimiga. Marina Silva, em 2010 e 2014, foi quem mais se aproximou dessa posição equidistante e como uma real via do meio. Para sua infelicidade, o momento era do lulismo em seu auge. Mesmo assim, fez em torno de 20% dos votos nas duas eleições. Com o derretimento de Bolsonaro e o desgaste natural de Lula, há uma possibilidade de em 2022, um nome de fora dessa lógica se viabilizar, mas para tanto precisará construir uma boa marca e investir demais na dualidade contra a polarização. Achar um terceiro lado que virará, no final das contas, um segundo lado, que divirja dos divergentes que se sustentam.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
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