Menos forma, mais conteúdo

Por Bruno Soller (*)

Os anos 2000 trouxeram um debate que parece sempre dominar as prévias das campanhas eleitorais, particularmente no Brasil, que é a relevância das redes sociais na busca pelo voto. Sempre antes de um pleito, várias pessoas são taxativas em afirmar que esta, olhando pra contenda próxima, será a eleição do digital. Do Orkut ao TikTok, o fato é que as redes sociais são presentes na sociedade e evoluem de acordo com a integração de usuários e, portanto, deverão sempre ser parte do processo eleitoral, que nada mais é do que a escolha de indivíduos por outros indivíduos.

A pergunta que fica é: as próximas eleições serão do digital então? E a resposta é clarividente e óbvia, sim, serão. Mas, elas também serão do rádio, serão da televisão e serão de todos os meios possíveis que juntem pessoas e que permita o contato direto entre candidato e eleitor. A rede social é mais uma forma que existe para a junção dessas pontas que precisam se encontrar. É mais um meio e que tem tanta importância como os demais meios, até porque cada ferramenta tem um papel na arte de levar aquilo que mais importa, que é o conteúdo.

Essa dicotomia forçada entre a TV e o digital parece mais uma rinha entre os que querem a reserva de mercado dos grandes comerciais televisivos contra aqueles pretensos revolucionários que acreditam terem achado a fórmula mágica para suplantar o passado glamoroso das superproduções. A vida real, no entanto, mostra o quão complementar ambas são e basta perceber alguns pequenos exemplos. É raro um entrevistado na TV, não ter nos letreiros a sua arroba digital para que possa ser encontrado nas redes e ser explorado de outra forma pelo público, bem como, é interessante perceber a quantidade de fenômenos que surgiram dos canais de YouTube e são estrelas que recebem a maior cobertura possível dos programas televisivos.

Enquanto há uma ideia de que ambas são dissonantes, os grandes grupos de mídia trabalham para que as TVs se tornem cada vez mais digitais. A Globo tem sua GloboPlay, a RecordTV, o seu PlayPlus e as plataformas que surgiram no digital, como Porta dos Fundos, Parafernalha, dentre outras, buscam copiar a grade de horários de uma rede de televisão, tendo data e hora de postagem e uma dinâmica que simula diversos programas dentro do canal.

Entender a dinâmica das redes e ter estratégias para elas é fundamental. São inúmeras as empresas que se dedicam a estudar os algoritimos das mais variadas plataformas e criam subterfúgios para poder driblar alguns impeditivos que são colocados pelos proprietários dessas redes, para que possam atingir o maior número de pessoas. Bem como, há uma infinidade de métricas que podem ser utilizadas objetivando que se tenha noção dos resultados da audiência e o público impactado. Mas, de nada adianta ter toda essa capacidade analítica se o conteúdo não for satisfatório.

A mensagem é o que realmente faz a diferença. A mensagem pode chegar até de carruagem, mas é ela que dá o tom de uma campanha eleitoral. Ninguém imagina que o “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” do Bolsonaro e o “Make America Great Again” do Trump, seriam diferentes se não houvesse as mídias digitais. Diversas marcas incutiram conceitos se utilizando da TV, quem não se lembra do “De Mulher pra Mulher, Marisa”, ou do “Bombril, 1001 utilidades”? E outras tantas no rádio, como “Conhaque Presidente e Bola pra Frente”, narrado pelos locutores esportivos durante os anos 90. A substância desses slogans-mensagens advém de pesquisas, de estudos, de análise comportamental e não do meio onde ele será propagado.

Explorar apenas um dos meios parece muito mais uma escolha equivocada, dada a diversidade de possibilidades, do que algo estratégico. Essa predileção absoluta por uma das ferramentas de alcance pode gerar exaustão no público. É necessário equilibrar. Não há um só caminho, mas a incorporação da ideia mestra nas variadas formas de contato. A própria irreverência pode ser marcante nesse processo. Recentemente, o banco digital Nubank emplacou uma campanha de muito sucesso em que enviava cartas escritas à mão para clientes que enxergavam como potenciais.

Para comprovar a estafa que só um tipo de contato pode gerar, um estudo qualitativo comandado pelo sociólogo Daniel Manduku, da Universidade de Johanesburgo, na África do Sul mostrou que os eleitores sul-africanos de tanto serem impactados por SMS, MMS, Whatsapp, ligações gravadas, aplicativos de candidatos e partidos, criaram uma percepção negativa sobre a ideia da campanha digital. Os entrevistados diziam se sentir invadidos em sua privacidade e desengajados a seguir aqueles que buscavam esse tipo de contato.

As eleições brasileiras ainda são muito tuteladas. A propaganda é bastante restritiva. A impossibilidade de compra de horários na TV, por exemplo, e os curtos espaços de tempo das campanhas eleitorais faz do digital bastante relevante para se construir candidaturas. A falta de retransmissoras e TVs abertas locais em vários municípios, também são barreiras que fazem conglomerados do porte de Guarulhos, em São Paulo, que é o décimo terceiro eleitorado do país, ou São Gonçalo, no Rio de Janeiro, décimo sexto, não terem horário eleitoral ou cobertura jornalística completa sobre os seus candidatos.

O poeta gaúcho Mario Quintana certa vez bradou: “Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta”. Justamente aí que se enquadra a lógica da mensagem. O caminho que ela percorrerá é menos importante do que sua vitalidade e seu foco. As mais variadas trilhas estão postas e são conhecidas, e cabe ao candidato e sua equipe estratégica entender que algumas são mais aptas para determinados objetivos, mas que todas são essenciais para o cômputo geral.

(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.

Twitter: @brunosoller – Instagram: @brunosoller – E-mail: [email protected]

 

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