Em entrevista, Renato Dorgan analisa as eleições 2020
Não bastassem as incertezas sobre a data de realização das eleições, a crise financeira gerada pela pandemia da COVID-19 também causou fortes impactos no uso da internet no Brasil. É o que avalia Renato Dorgan, estrategista eleitoral e especialista em pesquisas de opinião pública, a quem o portal Eleições Brasil entrevistou por telefone, com o objetivo de analisar o cenário das eleições 2020.
Segundo Dorgan, diferentemente de 2016 e 2018, 2020 vai ser um ano em que a TV será mais importante, não apenas pelo fato das pessoas estarem mais em casa, mas também pelo aumento da inadimplência dos consumidores de pacotes de dados e pela limitada oferta de Wi-Fi gratuito no Brasil. Ele aponta que a dificuldade do acesso à internet será bem maior entre as classes de menor renda, conforme demonstram estudos sobre o endividamento dos brasileiros.
Eleições Brasil – Em que medida a pandemia mudou os hábitos de consumo de informação dos brasileiros?
Renato Dorgan – Mudou de forma significativa. A TV voltou a ficar em destaque. Na pandemia a TV cresceu em audiência. A rede Globo, por exemplo, voltou a ter alguns índices de audiência que não tinha desde o final da década de 90. O Jornal Nacional está dando picos de audiência à noite. Creio que essa tendência vai se consolidar, talvez não com a força que já teve, mas é indiscutível o fortalecimento da TV.
EB – E o acesso às redes sociais, também não cresceu?
RD – Cresceu, sobretudo para parte das classes mais abastadas, mas as classes C e D/E passaram a ter muito mais dificuldade no acesso às redes sociais. Há uma crise financeira no Brasil e custo dos pacotes de dados não é barato. Em um cenário de crescimento do desemprego e de retração da economia informal, para não cortar o arroz e o feijão, muitas pessoas tiveram que cortar gastos com internet, TV a cabo e afins. Já houve períodos recentes em que os casos de inadimplência no consumo de internet chegaram a mais de 50% dos clientes e, infelizmente, não temos acesso ao Wi-Fi gratuito na imensa maioria das cidades.
EB – Muito se falou em “eleições digitais”, do peso da internet no processo eleitoral deste ano. Como fica o quadro após a pandemia?
RD – Voltamos à questão central que é a crise financeira. Muitas pessoas para conseguirem manter seu acesso à internet vão ter pacotes reduzidos e, portanto, não vão querer se ocupar com questões políticas. Vão focar em entretenimento e diversão, futebol, bastidores da TV, memes etc. Então a televisão volta com força. Os programas eleitorais vão voltar a ter muita importância e as inserções ao longo da programação também.
EB – Há na Câmara dos Deputados uma proposta de ampliação do tempo da propaganda de TV. Qual a sua avaliação a respeito?
RD – Observo que a maioria das prefeituras das médias e grandes cidades – onde há emissoras de TV – foram bem na pandemia. Então, mais tempo de propaganda tende a beneficiar mais às oposições do que a quem está no poder. Quem está na oposição precisa de mais espaços. Se o opositor tiver um bom arco de alianças partidárias e um bom tempo de TV, vai criar maior dificuldade para o seu adversário.
Ressalto que a televisão para as classes baixas será muito mais importante do que nas duas últimas eleições. A mídia digital continuará muito forte, principalmente nas classes A e B, abrangendo até a classe C1. A partir das classes C2 e D/E – que juntas representam mais de 55% da população brasileira – haverá uma queda significativa nos acessos, por conta do problema econômico que o Brasil está vivendo e vai sofrer muito mais no segundo semestre.