Da Grécia Antiga à atualidade, dos mais acesos aos mais calmos. Na teoria, os debates políticos servem para os candidatos apresentarem e darem a conhecer melhor as suas propostas ao eleitorado. Na prática, nem sempre é assim — muito menos em plena era mediática. Entre o nervosismo e o calor do momento, multiplicam-se os ataques pessoais e os deslizes que acabam por ficar na história.
Esta terça-feira realiza-se o primeiro dos três debates entre António Costa e António José Seguro, os dois candidatos à liderança do Partido Socialista. Se vai ficar, ou não, para a história, só esta noite se saberá. Até lá, passemos os olhos pela história e recordemos alguns debates que ficaram imortalizados. Pelas melhores…e piores razões.
Frases que ficaram para a história
Estados Unidos da América, 1976. Durante um debate contra Jimmy Carter, então governador da Geórgia, o candidato republicano Gerald Ford deixou cair uma frase letal:
Estavamos em plena Guerra Fria e o moderador do debate, e jornalista do New York Times, Max Frankel, decidiu introduzir na conversa as relações diplomáticas entre os EUA e a União Soviética (e a crescente influência comunista na Europa do Leste). A palavra a Gerald Ford: “Não existe domínio soviético no leste europeu”.
O moderador, estupefacto, tentou novamente. “Desculpe, o quê? Será que percebi bem? Está a dizer-me que os russos não estão a ocupar a maioria dos territórios da Europa do Leste e a garantir que fiquem sob influência comunista ao manterem as suas tropas no terreno?”. Se Gerald Ford se apercebeu da gafe, não o demonstrou. Continuou a defender o seu ponto de vista, insistindo que os países do leste europeu estavam a salvo da influência soviética. No final, o eleitorado não perdoou. Ford perdeu para Jimmy Carter, que se tornou o 39.º Presidente dos Estados Unidos da América.
Por cá, a frase mais célebre de um debate político não foi um deslize, mas sim o resultado prático de um debate escaldante. O troféu é de Álvaro Cunhal, líder histórico do Partido Comunista Português (PCP) e grande adversário de Mário Soares nas eleições legislativas de 1976, dois anos após a Revolução dos Cravos.
Naquele que foi o maior debate da história da democracia portuguesa, com quase quatro horas de duração, o candidato socialista foi direto ao alvo: o PCP queria transformar o país numa ditadura. O que todos se lembrarão é, porém, apenas da resposta de Cunhal: “Olhe que não! Olhe que não!” (passe os olhos, está registado aos 3m46 do vídeo abaixo).
A importância da imagem
Bastou que chegasse a televisão para que a frase de transformasse em verdade política: a imagem vale mais que mil palavras. Pois uma pequena falha neste campo marcou todo o debate entre John Fitzgerald Kennedy e Richard Nixon, em 1960.
Era o primeiro confronto entre os dois candidatos e, de acordo com a revista Time, sem ele JFK nunca teria chegado à Sala Oval da Casa Branca. O frente-a-frente entre o senador democrata e o então vice-presidente Richard Nixon demorou uma hora e tornou-se uma referência. “É um daqueles pontos na história onde se pode dizer que as coisas mudaram dramaticamente — neste caso, bastou apenas uma noite”, explica Alan Schroeder, um professor de comunicação na Universidade de Northeastern e autor do livro “Presidential Debates: Forty Years of High-Risk TV“.
Aqueles que viram o debate pela televisão não tiveram dúvidas em dar a vitória a Kennedy, que se apresentava mais bronzeado, descontraído e confiante que o seu opositor. Nixon ainda não se encontrava totalmente recuperado de uma intervenção cirúrgica. Apareceu pálido, visivelmente cansado e abaixo do seu peso normal. O calor do estúdio não ajudou: Nixon transpirou todo o debate e isso foi visível nas câmaras de televisão. As sondagens deram resultados curiosos: quem viu o duelo pela televisão deu a vitória a Kennedy, quem ouviu na rádio achou que Nixon esteve melhor. End of story: Kennedy na Casa Branca.
Os mais acesos
Nem sempre é fácil manter a calma e a postura durante um debate em direto. As razões podem ser muitas: ou porque não está a correr tão bem como se esperava, ou porque o adversário não perdoa e parte para o ataque pessoal.
E, sim, pode ser mesmo pessoal, como no frente-a-frente entre os brasileiros Paulo Maluf e Marta Suplicy. Foi no ano 2000, ambos eram candidatos à Prefeitura de São Paulo e, na altura, já eram bem conhecidos do público. Ela, por ter apresentado nos anos 80 um programa sobre sexualidade. Ele, por já ter protagonizado alguns momentos menos tranquilos durante os debates eleitorais (em 1989, durante um debate que antecedeu as eleições presidenciais, Paulo Maluf disse ao seu adversário que “quem era desequilibrado não podia ser candidato a presidente”).
Partindo para o debate com uma taxa de rejeição a rondar os 60%, Maluf partiu para o ataque. “A senhora não está qualificada administrativamente. Veio para este debate achando que insultando e mentindo podia ganhar. Eu estou com a palavra. A senhora por favor respeite, fique quietinha e para de dar palpite”. A resposta da adversária foi breve e direta: “Cala a boca, Maluf”. Marta acabou por ganhar a eleição. Mas porque a história não é sempre linear, em 2004 Maluf juntou-se a Suplicy na lista da sua reeleição.
Pessoal também foi o debate entre Ségolène Royal e Nicolas Sarkozy, em maio de 2007. As picardias entre ambos os candidatos à presidência francesa repetiram-se, até ao ponto em que Sarkozy disse a Ségolène que esta estava com “muita raiva” e pediu que se acalmasse, já que “para se ser Presidente, é preciso ter calma”. A candidata socialista não gostou e não deixou Sarkozy concluir: “Há raiva que é perfeitamente saudável”. Esta história acabou com Sarkozy no Eliseu. Mas, lá está, como a história política não é linear, o francês já perdeu uma eleição depois disso, viu a Justiça acusá-lo num processo de corrupção e ameaça agora voltar, para debater com François Hollande, o menos popular Presidente da história de França.
Fonte: Observador