Por Bruno Soller (*)
Se há uma alteração significativa nos últimos tempos na configuração sociodemográfica do Brasil é a ascensão dos evangélicos. Em 1950, esse grupo de pessoas era de apenas 3,4% da população. Em 2020, 70 anos depois, 25% dos brasileiros dizem pertencer a essa classe religiosa. Em se mantendo as curvas estatísticas, projeta-se que em 2032, daqui exatos 12 anos, sejam a maior coletividade religiosa do país, ultrapassando os católicos romanos. É um crescimento meteórico que impõe uma nova realidade de pensamento na sociedade.
Os evangélicos foram fundamentais para a vitória de Jair Bolsonaro, em 2018, e são ainda o maior sustentáculo de sua aprovação governamental. Nas últimas sondagens do segundo turno, quando se cruzava a intenção de voto por religião, enquanto havia um empate técnico entre Bolsonaro e Haddad nos católicos, a disparidade entre os evangélicos era gritante: nos votos válidos 70% declaravam voto no então candidato do PSL. Foram aproximadamente 22 milhões de votos que fizeram a diferença para a vitória do presidente, em uma eleição em que Bolsonaro derrotou seu adversário por 10 milhões de votos.
A presença no Parlamento é também considerável. 199 deputados federais compõem a bancada evangélica. Em 20 anos praticamente triplicou a sua representação. O aumento exponencial acompanha o crescimento na sociedade. Com pautas claras e defesas de bandeiras que coadunam com o pensamento religioso, o eleitor evangélico tem procurado buscar seus representantes pela identidade da fé. A disseminação da política nos templos, com a participação ativa de pastores e bispos na mobilização eleitoral, são ativos que fazem esse voto ficar em um cluster bem definido.
Jair Bolsonaro, católico de formação, mas batizado nas águas do Rio Jordão pelo ex-presidenciável Pastor Everaldo, encaixou naquilo que o eleitor evangélico busca em um político: a pauta do conservadorismo social. O Brasil já teve dois outros presidentes evangélicos, o presbiteriano Café Filho e o luterano Ernesto Geisel, mas a predominância do protestantismo no Brasil está longe das linhas tradicionais reformistas como a dos ex-presidentes.
Quase 80% dos evangélicos brasileiros são das doutrinas neopentecostais, da terceira onda do pentecostalismo, como a Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Renascer em Cristo, Comunidade Cristã Paz e Vida e Igreja Apostólica Fonte da Vida. Há ainda uma ramificação com muita presença, a segunda maior em número de fiéis, de hábitos ultra conservadores que é a Congregação Cristã do Brasil.
O sobrenaturalismo é muito presente entre os neopentecostais. As curas milagrosas, as batalhas espirituais do bem contra o mal e as revelações são presentes nos cultos de quase todas as igrejas pertencentes a esse nicho do protestantismo. Além das pautas comportamentais, de maneira cognitiva, Jair Bolsonaro, representa um pouco deste misticismo. É o homem que milagrosamente safou-se da morte, após uma facada transmitida em rede nacional, é dual na batalha contra o mal, representando os bons valores para esse cidadão e é visto como um homem escolhido ou revelado para enfrentar as mazelas da política nacional. Até o seu sobrenome Messias é trazido por alguns apoiadores, principalmente nas redes sociais para confirmar essa sua “unção”.
Em pesquisa realizada pela Travessia para o Valor Econômico, 33% dos eleitores de Jair Bolsonaro entendem que a religião deve pautar as ações do governo. Há por parte de alguns evangélicos a ideia de uma teocratização do estado. Ao passo em que parecemos viver o auge do iluminismo, na era do cientificismo e da tecnologia, cresce no mundo a contra corrente com a força das religiões, principalmente as monoteístas. O efeito que o islamismo tem gerado nas sociedades europeias, por exemplo, é comparável ao avanço dos evangélicos no Brasil.
O denuncismo parece não afetar ou abalar a fé do fiel. A maior prova disso é um dos apoiadores do presidente, o bispo Edir Macedo, que no início dos anos noventa, após polêmica acusação, chegou a ser preso e a sua igreja não parou de crescer desde então. Há um entendimento que sobrepuja o alcançável racional. É fé, empatia, identidade e uma soma de vários sentimentos que não se medem na régua da lógica.
Para esse eleitor evangélico bolsonarista há sempre uma alternativa que poupa o presidente. Se ele blasfema, é porque foi instado a isso pela pressão que os grupos de mídia, principalmente a Rede Globo, católica e progressista, fazem para prejudica-lo. Se o filho é envolvido em suspeitas de corrupção, o pai não pode pagar pelos seus erros, até porque existem diversas famílias de pessoas de bem que tem seus filhos envolvidos com a gatunagem.
A teologia da prosperidade é muito presente nas comunidades neopentecostais. Há um contrato entre Deus e humanos, em que o humano entrega parte de sua riqueza para a obra divina e é beneficiado com o retorno ainda maior dessa materialidade, além das bênçãos do espírito. A questão econômica é muito cara ao fiel. A expiação busca aliviar as doenças e a pobreza.
O empobrecimento pode afetar diretamente essa relação do evangélico com Bolsonaro. Essa, talvez, seja a única forma deste eleitor se afastar do presidente. Vale lembrar, que com o período de crescimento econômico da Era Lula, boa parte dos evangélicos apoiaram o ex-presidente e foram seus eleitores. Uma recessão grave poder ser apocalíptica nessa relação e findar uma fidelidade que parece inquebrável.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
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