A pandemia do novo coronavírus não mudou apenas as datas das eleições municipais deste ano, mas também a maneira como serão feitas as campanhas. Cenas tradicionais, como candidatos tomando um café na padaria e distribuindo cumprimentos e santinhos, terão de ser, no mínimo, adaptadas para um período em que o distanciamento social é a principal medida de prevenção à covid-19.
Marqueteiros, dirigentes políticos e especialistas em marketing eleitoral avaliaram para o UOL que esta campanha será, sim, ainda mais digital do que as últimas. Mas um mínimo de presença do candidato junto ao eleitorado irá existir, mesmo que a certa distância. É provável, por exemplo, que você passe a escutar um carro de som circulando pela cidade com um candidato fazendo discursos e pedindo votos, mas sem deixar o veículo nem encostar nos eleitores.
O objetivo de ações como as carreatas é atingir o eleitorado que tem pouco ou nenhum acesso à internet. “Como você dialoga com esse público? De alguma forma você deve fazer pelos meios tradicionais, chegar o material na mão da pessoa”, diz Laércio Ribeiro, presidente do diretório municipal do PT, que tem Jilmar Tatto como pré-candidato a prefeito. “Acredito que [os candidatos] vão ter que usar esse expediente [de carros de som] para conseguir falar com uma parcela importante da população.”
Um comício, em uma época em que as pessoas devem ficar afastadas uma das outras, não é algo recomendado. Mas os candidatos poderão discursar e se encontrar com lideranças de comunidades e personalidades famosas em lives, um “livemício”. “Imagine um comício que reunia, 40, 50 pessoas. Hoje, você consegue fazer isso com muito mais facilidade [em lives], com um custo muito menor”, prevê Elsinho Mouco, especialista em marketing eleitoral, que foi responsável pela comunicação no governo Michel Temer (MDB) e já esteve à frente de campanha políticas.
Além de economizar o tempo que seria gasto em deslocamentos e permitir mais compromissos na agenda do dia do candidato, as lives ainda podem ter efeito no caixa das campanhas. “As ferramentas [na internet] são mais baratas. Um disparo no WhatsApp é muito mais barato do que organizar um comício”, diz Luli Radfahrer, professor da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo). Algo ser mais barato não significa que as campanhas irão gastar menos. O que for economizado com itens físicos deverá ser aplicado em recursos digitais. “O grosso geralmente está na parte de marketing, produção de TV e digital. Vai diminuir muito na questão de logística e de materiais gráficos”, diz Ranier Grandé, assessor de comunicação da campanha de Márcio França, pré-candidato do PSB a prefeito paulistano.
“Saúde acima de tudo”
A equipe de Guilherme Boulos, pré-candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, hoje trabalha com dois cenários para a campanha. “Se a pandemia seguir como está, a campanha deve ter um elemento digital fundamental, onde quem está à frente nas redes terá vantagem na disputa, com destaque para as lives e assembleias e reuniões virtuais”, diz Josué Rocha, coordenador da campanha. Agora, caso a situação da pandemia esteja mais controlada e houver possibilidade de campanha nas ruas, o pré-candidato do PSOL deverá fazer campanha nas ruas. “A saúde da população tem que estar acima de tudo.” A certeza é que as campanhas não serão 100% virtuais. Algum tipo de agenda física vai continuar acontecendo. “Vai ter alguma coisa ou outra, mas muito menos”, diz Grandé, da equipe de França, que prevê algumas visitas do candidato pela cidade, mas em uma estrutura menor. A candidatura do PSB irá focar na criação de comitês virtuais para segmentar a campanha em cada microrregião da capital paulista. A estratégia é que isso substitua, na medida do possível, o “corpo a corpo”.
“Reality eleitoral”
Já está acostumado a receber notificações de que o político que você segue está fazendo uma transmissão ao vivo? Prepare-se: elas deverão ficar ainda mais constantes na campanha, mostrando desde o café da manhã do político até a hora do descanso, como se fosse um “Big Brother”. “[A campanha] digital já acorda com o candidato. A campanha vai ser muito mais ativa, muito mais presente, e em um volume muito maior”, diz Mouco, comparando as ações a um reality show. “Todo mundo está perdendo o medo [das lives], está se comunicando mais.”
“Cabo eleitoral no zap”
A figura do cabo eleitoral poderá ficar mais parada nesta eleição, mas movimentando seus contatos em aplicativos de mensagens e redes sociais. Ou seja, circulando pela “rua digital”, aposta Mouco. “A campanha de rua agora é de rua digital. Aquele velho ajudante de campanha que ficava nos bairros agora é o garoto do bairro que tem 50, 100 contatos de WhatsApp. Você vai ter que contratar uma rede de assessores na rede.” São essas figuras locais, além de vereadores, deputados e outras lideranças políticas, que deverão ser responsáveis pela capilaridade de campanhas a prefeito, fazendo com que o candidato se aproxime do eleitorado que o desconhece.
De olho na TV
A pandemia isolou as pessoas e as fez ficarem mais em casa, o que.aumentou a audiência e a relevância da televisão aberta. Por isso, as campanhas ainda veem o veículo de comunicação como um fator de grande importância para a publicidade eleitoral.
“A televisão continua sendo o meio de maior cobertura e maior impacto no Brasil”, observa o professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) Emmanuel Publio Dias. Até em razão de, pela crise econômica gerada pelo combate ao novo coronavírus, o acesso de uma parte da população à internet ter ficado mais difícil. “Uma parcela da população, principalmente das camadas D e E, está com pacote de dados limitados”, pontua Grandé, da equipe de França. “Em algumas camadas, a TV e o rádio vão ser superimportantes.”
Porém, os veículos tradicionais de propaganda política não podem ser vistos como recursos primordiais. “O candidato que usar só a televisão vai ficar manco das pernas. A campanha tem que obrigatoriamente ser consubstanciada na comunicação em rede. Você não pode fazer comunicação para todo mundo, tem que saber segmentar”, comenta Dias, que reforça que hoje não é mais possível separar o mundo físico do digital. “Acho que já está na hora de a gente parar de estabelecer essa fronteira.”
Para Mouco, “quem radicalizar e só investir no digital” deverá ter problemas. “Hoje, a televisão está muito valorizada. Cada plataforma vai ter sua importância. Não dá para renegar a televisão. Televisão chega, continua chegando, sendo muito importante [para a população]”, diz Mouco. Mas também não adianta apostar apenas no que for gratuito no mundo digital, diz Mouco. “Não é a gratuidade das redes que vai resolver o problema. Com isso, você não alcança ninguém. Então, tem que ter investimentos nas redes sociais.”
Nada de máscara
Algumas ideias já foram descartadas. A campanha de França pensou em confeccionar máscaras para distribuir aos eleitores. Mas o receio de o item ser classificado como brinde, o que é proibido pela legislação eleitoral, fez a ideia ser arquivada. “Seria melhor para todas as campanhas distribuir máscara do que santinho”, diz Grandé, da equipe de França. Carro de som, live, post em rede social: o formato não deve ser o primordial, mas, sim, o conteúdo, observa o professor Luli Radfahrer. “Às vezes, um bom texto funciona até melhor do que um vídeo. Às vezes, um vídeo tosco, mas bem roteirizado, pode ser muito melhor do que um vídeo bem produzido em que o cara não tem muito a dizer”, diz.
A lição de Alckmin
A mídia tradicional talvez tenha caído em descrédito como força para uma campanha em razão da eleição presidencial de 2018. O candidato com maior tempo de propaganda eleitoral, Geraldo Alckmin (PSDB), naufragou na disputa. Jair Bolsonaro (sem partido), que, quase invisível na televisão, apostou em sua força nas redes construída ao longo dos anos anteriores, venceu o pleito no segundo turno. “O problema [da campanha do Alckmin] não era a televisão, era a mensagem. [É preciso] traduzir a mensagem na atual conjuntura”, observa Mouco. Grandé diz que TV e internet serão os focos da campanha de França.
“Apostando muito na televisão, que é um veículo de massa, e no digital, que é segmentado”. Para Rocha, da campanha de Boulos, “a internet engaja, mas cabe a nós transformar esse engajamento em mobilização efetiva”. O engajamento vai ter que substituir a principal perda com o distanciamento social: o contato com o eleitor, aponta Ribeiro, do PT. “Para o processo democrático, a conexão com a cidade é muito importante. Perde o debate nesse aspecto, de pensar a cidade com mais sensibilidade. E a população se engajar mais na campanha a partir da movimentação dos candidatos. Porque a população sente a eleição, o clima de campanha.” O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), pré-candidato à reeleição, diz que não está focado em sua campanha neste momento. Para Dias, professor da ESPM, “a grande luta este ano não é para ganhar votos, mas convencer os eleitores a ir votar por alguma coisa”.
Fonte: UOL Notícias