Por Salomão de Castro (*)
“Meu coração tem mania de amor
Amor não é fácil de achar
A marca dos meus desenganos ficou, ficou
Só um amor pode apagar”
Os versos de “Foi um rio que passou em minha vida”, de Paulinho da Viola, surgem em um momento decisivo do documentário “Pelé”, disponível na plataforma de streaming Netflix. Eles refletem o que se vê em campo: a paixão pelo futebol, na trajetória do jogador Edson Arantes do Nascimento, o Pelé do título, ativo em quatro Copas do Mundo (1958, 1962, 1966 e 1970), quando o Brasil sagrou-se tricampeão. No entanto, à semelhança do que ocorre nas partidas de futebol, o documentário dos cineastas Ben Nicholas e David Tryhorn é repleto de altos e baixos.
No recorte definido pelos documentaristas, por exemplo, o roteiro segue rapidamente os fatos ocorridos entre a infância do protagonista, seu surgimento no Santos Futebol Clube e a atuação nas Copas de 1958 e 1962, ambas vencidas pela Seleção Brasileira. O ritmo frenético da edição, no entanto, é uma falha menor, diante da ausência de referências ao papel que Manoel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, teve nos dois mundiais, fazendo dobradinha com Pelé em lances decisivos. Uma falha que não passa despercebida pelos aficionados em futebol.
Cabe, aliás, um alerta aos que se aventurarem pelo documentário: a depender do conhecimento prévio sobre os fatos narrados e se o espectador é fã de futebol, a apreciação do longa será maior ou menor. Os depoimentos de ex-jogadores contemporâneos de Pelé, como Zagallo, Jairzinho e Rivellino, bem como do cantor Gilberto Gil, porém, enriquecem a narrativa, mesmo para quem já conhece amplamente o tema. Nesses tempos de pandemia, vale acompanhar o filme em meio a um bom churrasco e doses generosas de cerveja. Em casa, e sem aglomeração, registre-se.
Relação com a Ditadura Militar
Para além do registro sobre um personagem que se confunde com a narrativa sobre o futebol brasileiro, o documentário de Nicholas e Tryhorn mergulha em um tema espinhoso para Pelé e seus admiradores: a relação do craque com a Ditadura Militar (1964-1985), tema que persegue o ídolo até hoje. Pois, se surgiu como um fenômeno entre o fim da década de 1950 e o início dos anos 1960, sua consolidação definitiva se deu na Copa do Mundo de 1970, quando se cobrou dele um posicionamento de independência em relação ao governo militar de Emílio Garrastazu Médici. Longe de tal comportamento, Pelé, na prática legitimou o Regime Militar, o que o faz alvo de reações hostis até hoje.
O documentário dá a ele voz para apresentar sua versão sobre os fatos e há uma contextualização sobre o processo político do país ao longo das décadas de 1960 e 1970 enriquecida por três depoimentos de personagens de espectros políticos diversos: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a ex-governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva, e o ex-ministro da Fazenda dos governos militares, Delfim Netto. É forçoso – e curioso – reconhecer que justamente quando sai dos campos de futebol e se aventura pela arena política, o documentário ganha força enquanto registro histórico. Como se estivéssemos em uma partida em que o placar fosse de 2×2 ou 1×1. E aí, surge o gol que desempata. Como no passado, sem direito a VAR. Esse lance decisivo, no documentário, não vem do futebol, e sim da política.
“Foi um rio que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar”
Serviço: Pelé. Documentário disponível na Netflix (Brasil, 2021). Direção: Ben Nicholas e David Tryhorn. Com depoimentos de: Pelé, Zagallo, Jairzinho, Rivellino, Gilberto Gil, Fernando Henrique Cardoso, Benedita da Silva e Delfim Netto. Duração: 108 minutos.
(*) Salomão de Castro é consultor político e editor do Eleições Brasil.
Fonte: Portal do Servidor/Assembleia Legislativa do Ceará.
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