Tudo sobre o novo código eleitoral

As plataformas de internet podem se livrar de um de seus piores pesadelos na eleição de 2022: a blindagem dos políticos nas redes sociais, uma reivindicação dos bolsonaristas.

O texto do novo código eleitoral, que pode ser votado nos próximos dias na Câmara, suprimiu a proibição de derrubar perfis e conteúdos de candidatos que constava nas primeiras versões.

Isso impossibilitava as plataformas de usarem suas regras para remover ou rotular conteúdos que questionassem a integridade das eleições, incitassem à violência ou promovessem supressão de votos, caso fossem de autoria de candidatos ou partidos.

Mas ainda que o pior tenha sido evitado, as novas regras para propaganda eleitoral na internet darão muita dor de cabeça, e não apenas para as empresas de tecnologia.

O novo código dá às empresas de internet no máximo 24 horas (que podem ser uma ou duas horas, dependendo da decisão judicial) para determinar se certas contas são automatizadas (robôs) ou semi, e derrubá-las.

Pensando, por exemplo, nas milhões de contas no Twitter levantando hashtags para os assuntos mais comentados ou fazendo ataques coordenados, a empresa teria que investir tempo e recursos consideráveis em inteligência artificial e mão-de-obra humana para dar conta da tarefa.

Para entrar em vigor ainda nas eleições de 2022, o projeto precisa ser aprovado por Câmara e Senado e ser sancionada pelo presidente da República até o início de outubro, um ano antes da disputa.

O artigo 509 proíbe “a veiculação de propaganda política ou eleitoral por intermédio do uso automatizado de perfis em mídias sociais, assim como perfis robôs, ainda que assistidos por humanos”. O código prevê que, constatado o uso de robôs, a Justiça pode determinar a suspensão imediata dos perfis.

O objetivo é nobre —acabar com os robôs, híbridos e mensagens automatizadas nas redes sociais durante as eleições, usados para manipular e distorcer o debate público.

O problema é que não existem instrumentos 100% exatos para determinar se uma conta é automatizada ou semi, e a lei não define quem irá determinar se a conta é robô.

Além disso, há muitas contas automatizadas com fins legítimos, como respostas automáticas, publicadores de notícias e outros instrumentos oferecidos pelas plataformas.

“Corremos o risco de haver uma enorme judicialização, com partidos questionando frequentemente o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] sobre supostos robôs, e aí os tribunais vão passar o tempo inteiro julgando quem é robô ou não é”, diz Diogo Rais, professor de direito eleitoral e digital da Universidade Mackenzie.

Um ponto que causa alarme, principalmente entre os especialistas em segurança cibernética, é o artigo que determina que as mensagens eletrônicas com conteúdo político devem dispor de mecanismo que permita ao destinatário a solicitação de descadastramento.

Segundo peritos em segurança, os links de descadastramento representam um alto risco de ataques cibernéticos de programas como o Pegasus, que espiona os dispositivos eletrônicos. A pessoa recebe um link dizendo “clique aqui se não quer mais receber essas mensagens” e os links de origem desconhecida muitas vezes podem permitir instalação de programas nocivos.

Além disso, será impossível fiscalizar o cumprimento da lei no aplicativo de mensagens Telegram, cujo uso vem crescendo —a empresa não tem representante no país e não se comunica com o governo.

O descadastramento é importante, para que as pessoas deixem de ser bombardeadas por disparos em massa de mensagens —também vetados no novo código eleitoral. No entanto, especialistas acreditam que o mecanismo de descadastramento precisa ser projetado em conjunto com plataformas e operadoras, para que não se torne via expressa de ataques cibernéticos.

Outro artigo problemático proíbe, nos três meses anteriores às eleições, a disseminação de desinformação em redes sociais e aplicativos de mensagens, punível com multa de R$ 30 mil a R$ 120 mil. De novo, o objetivo é legítimo, mas a aplicação da lei abre brechas para abusos.

O texto define “desinformação” de forma muito ampla, como difusão massiva de conteúdo com elementos inexatos para promover ou prejudicar candidato; impedir, causar embaraços ou desestimular o exercício do voto, ou deslegitimar o processo eleitoral. Por ser bastante amplo, pode ser usado pelos candidatos para litigância de má-fé.

Ainda assim, a eliminação da blindagem dos políticos trouxe alívio.

As versões iniciais foram apelidadas de “lei do Trump”, em referência ao ex-presidente americano Donald Trump, que foi banido do Twitter e suspenso por tempo indeterminado do Facebook e do YouTube por conclamar apoiadores a irem ao Capitólio questionar o resultado da eleição presidencial americana de 2020.

O texto do código eleitoral determinava que as plataformas de internet só poderiam remover conteúdos publicados em perfis de candidatos, partidos políticos e coligações mediante medida judicial ou com notificação dos responsáveis 24 horas antes.

Isso impossibilitava as plataformas de usarem suas regras para remover ou rotular conteúdos que questionem a integridade das eleições, incitem à violência ou promovam supressão de votos, caso sejam de autoria de candidatos ou partidos no Brasil.

Essa era uma reivindicação do presidente Jair Bolsonaro, que incluiu medidas semelhantes em minuta de decreto que veio a público em maio. O presidente e bolsonaristas tiveram conteúdos derrubados ou rotulados pelas redes sociais, principalmente quando continham informações incorretas sobre a Covid. Os bolsonaristas argumentam que as redes sociais censuram os políticos conservadores.

O projeto de lei protocolado na segunda-feira (2) mantém a proibição de cancelamento, exclusão ou suspensão de conta de candidato a cargo eletivo durante o período eleitoral.

No entanto, autoriza que as redes façam isso quando houver decisão judicial ou em atendimento às regras dos artigo 524. Esse artigo permite que as plataformas removam perfis que violem suas regras de moderação, mas determina que essas políticas precisam ser publicadas até o dia 1º de junho do ano eleitoral.

“Se levarmos em conta as versões anteriores da lei, esta é mais compatível com o cenário digital atual, embora inda mantenha determinações que ferem o Marco Civil da Internet”, diz Rais.

Anteriormente, a lei permitia que os diretórios dos partidos impugnassem, perante o TSE, as regras de moderação de conteúdo que implicassem “restrição indevida de direitos e garantias de cunho político”. E quem decidia isso era o TSE. “Ou seja, estatizava as regras de moderação das empresas”, afirma Rais.

Originalmente escrito para a Folha de São Paulo por Patrícia Campos Mello.