Por Bruno Soller*
Com avanços significativos nas últimas décadas, como o enquadramento da homofobia como crime equiparado ao racismo, resolução para casamento homoafetivo e direito de adoção, uso de nome social e reconhecimento da identidade de gênero, garantia de cirurgia de redesignação sexual pelo SUS e suspensão das restrições de doação de sangue, a pauta LGBTQIAPN+ ganhou extrema relevância na discussão da política nacional. Na esteira da assunção das conquistas, o Brasil viu surgir uma grande parcela de pessoas se autodeclarando pertencentes a uma das diversas letras que compõem esse grupo social que não se identifica com a heterossexualidade.
Em estudo comandado pela IPSOS, realizado em 2023, ao medir 30 países, o Brasil venceu como o de maior população declarada LGBT+ do mundo. Cerca de 15% dos entrevistados brasileiros disseram ser pertencentes dessa comunidade. Um número maior do que o recenseado pelo IBGE, mas que parece refletir mais a realidade, principalmente quando comparado com índices obtidos por pesquisas de opinião pública, em geral.
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O recente episódio envolvendo o ex-deputado federal Jean Wyllys e o atual governador do Estado do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, ambos assumidamente homossexuais, e que discutiram publicamente sobre as escolas cívico-militares, acendeu um debate sobre a característica desse voto. A questão que mais intriga é se esse eleitor LGBT+ é pertencente de alguma corrente ideológica ou não, se é de direita, de centro ou de esquerda.
Na história tanto regimes socialistas quanto capitalistas já perseguiram LGBT+ e os condenaram a prisões perpétuas, castigos físicos ou até mesmo a pena de morte. Hoje, são 68 os países que proíbem práticas homossexuais no mundo. Desses, a grande maioria são regimes ditatoriais ou estados religiosos, em sua maior quantidade localizados nos continentes asiático e africano.
No Brasil, viu-se nas últimas eleições um verdadeiro boom de candidaturas de políticos com a bandeira do orgulho LGBT+. No pleito nacional de 2022, mais de 200 candidatos se declararam gays, lésbicas ou transexuais. Em levantamento feito pelo Vote LGBT+, PSOL, PT, PSB, PDT e PCdoB foram os partidos, na ordem, que mais tiveram candidaturas desse nicho. Todos partidos identificados com a esquerda. Além disso, de acordo com o Datafolha, 80% dos homossexuais e bissexuais rejeitavam Bolsonaro durante o processo eleitoral.
O bolsonarismo enquanto força política contrastou diretamente com o ativismo LGBT+. As diversas falas polêmicas do ex-presidente cultivaram neste público uma certa repulsa, que praticamente inviabilizou a possibilidade de voto em Bolsonaro. No efeito da polarização, em que pareciam só haver dois lados na disputa, a esmagadora maioria dos LGBT+ optaram por Lula. Fazendo um comparativo com a eleição em que saiu vitorioso, estima-se que Bolsonaro chegou a perder 70% dos apoiadores homossexuais que teve – nas últimas sondagens de 2018, 36% dos LGBT+ votavam em Bolsonaro, já em 2022, esse número reduziu para 11%.
Em grupos de foco qualitativos, os LGBT+ que permaneceram com Bolsonaro, argumentam que a luta sempre foi por liberdade, e que o ex-presidente, de certa maneira, era um defensor desse quesito em contraposição ao comunismo, representado pela candidatura de Lula. Outras questões como a recuperação da economia e combate a corrupção sobrepõem para esses eleitores a motivação da luta por direitos de uma minoria, mesmo eles sendo parte dela.
A rejeição a Bolsonaro foi um amálgama para a concentração de voto em Lula. Entre os LGBT+ que não se consideram de esquerda, o voto em Lula, até a contragosto para alguns, representou uma escolha política para derrotar o bolsonarismo e o conservadorismo. Foi um voto de revanche, não a favor de Lula, mas sim, contra Bolsonaro.
O fato é que se o voto LGBT+ já tinha um pêndulo para a esquerda, depois de Bolsonaro acabou encurvando totalmente para essa direção. Com a polarização aguçada, qualquer medida que pareça estar em consonância com algum ideal da política bolsonarista já motiva um levante, por vezes exagerado, no sentido de não aceitação. O próprio debate sobre as escolas cívico-militares em nada tem a ver com a questão da sexualidade, sendo um confronto sobre modelos curriculares, mas que acabou sendo levado a esse campo, nas acusações de Wyllys contra o governador gaúcho.
Cabe ressaltar que Eduardo Leite, o político homossexual em cargo mais relevante do País, não é propriamente um candidato da esquerda brasileira. Filiado ao PSDB, tem um posicionamento mais liberal e de centro. Vereador da cidade de São Paulo, Thammy Miranda, é um político transexual que foi eleito pelo PL, antes ainda do ingresso de Bolsonaro à legenda. Ou seja, apesar da hegemonia da esquerda, há espaço para a comunidade LGBT+ na outra raia. Outrossim, chama a atenção um levantamento do Instituto Atlas, de 2021, que revelou que 60% dos brasileiros poderiam votar em um candidato gay à presidência da República, mostrando que essa questão pode estar acima de ideologias ou campos políticos.
Não há paternidade em voto, o que existe é momento e identidade. Hoje, o eleitor LGBT+ brasileiro é majoritariamente à esquerda, mas isso não é imóvel. Na Alemanha, a comunidade LGBT+ esteve com Angela Merkel, política da direita, da União Democrata Cristã, que permitiu a aprovação do casamento gay no país. Desde Stonewell, a origem do movimento LGBT+ é pela liberdade e igualdade, lemas que vieram da Revolução Francesa e do Iluminismo e que coadunam com a democracia. Extremismos não só atrapalham o legítimo combate como impossibilitam que outras frentes venham a se somar. A luta por direitos merece ser universal e quando reduzida a campos pode se revelar desoladora.
*Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.
Artigo originalmente escrito para o blog “De Dados em Dados“, do Estadão.
Para ler o artigo original, clique AQUI.