Abro com um “causo” de Alagoas.
Um sonho com Deus
Era o ano de 2006. A campanha ao governo de Alagoas estava “fervendo”. Um candidato muito conhecido no Estado pelas presepadas, cujo nome, por motivos óbvios aqui se omite, liderava as pesquisas. Era considerado imbatível. Último debate eleitoral na TV Gazeta. O apresentador passa a palavra ao mais que provável vencedor:
– Candidato, após esta intensa campanha eleitoral, o senhor tem 30 segundos para as considerações finais. Fique à vontade para falar.
O candidato jorrou:
– Povo de Alagoas, ontem eu tive um sonho. Neste sonho, Deus meu dizia: “doutor (fulano de tal), construa hospitais para o sofrido povo deste Estado.”
A seguir, o apresentador passou a palavra ao outro candidato, que usou a verve:
– Povo de Alagoas, quem sou eu para disputar uma eleição com um homem que Deus o trata por doutor? O candidato (fulano de tal) disse há pouco que falou com Deus e Deus disse: doutor fulano de tal. Ora, se Deus chama o meu adversário de doutor, reconheço que não posso fazer melhor do que ele. Vocês não acham que o adversário (fulano de tal) já se considera nomeado por Deus?
E foi assim que o candidato (fulano de tal), líder absoluto nas pesquisas, conheceu a derrota. Perdeu para a própria arrogância.
(Historinha enviada por Manoel Pedrosa).
Parte I – Retrato 3 X 4
A vida, um tormento
Abro com o conhecido lamento do Simon Bolívar, o timoneiro, expresso há mais de 200 anos: “não há boa fé na América, nem entre os homens nem entre as nações. Os tratados são papéis, as constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento”. A vida nacional está se tornando cada vez mais um tormento e parcela desse sofrimento tem muita coisa a ver com a desordem institucional que nos cerca. Comento alguns desses conceitos.
A política como ela é
A impunidade continua generalizada, atestando a fragilidade da ação governamental e reforçando o sentimento de descumprimento de lei. O estado de anomia começa com a falta de boa-fé entre os homens. Ou de confiança. Basta verificar a política de emboscadas que inspira o relacionamento entre os partidos nacionais. Na base governista, a partir do PT, as dissensões se acentuam. Ontem, eram os tucanos que se aliavam aos parceiros de governo para isolar os emedebistas, que odiavam; hoje, são escassos e também se dividem em alas. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário vivem às turras, apesar da tentativa de Lula de amaciar o coração de Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. E se perde no meio de medidas provisórias, reforma tributária, catástrofe no Rio Grande do Sul, e velhos disparates de palanque.
A CF, um livro
A Constituição brasileira é um livro cheio de detalhes. Quando foi produzida, refletia o caldeirão de pressões da sociedade. Por ser uma Carta muito descritiva, propicia polêmica em demasia e abre espaços para uma infinidade de litígios. Hoje, é criticada pelo fato de muitos de seus artigos e incisos não serem obedecidos. E uma lei maior que deixa de ser cumprida acaba plasmando uma cultura de perniciosidade, impunidade e desorganização. Dessa forma, os tratados constitucionais perdem razoável parcela de força, transformando-se em letra morta.
As eleições como batalhas
As eleições, nos últimos tempos, constituem uma batalha acirrada, onde não faltam os impropérios, as denúncias contra adversários, a calúnia e a difamação, a compra de votos, a cooptação pelo empreguismo e pela distribuição de benesses, o oportunismo, o populismo. A política, exercício democrático da defesa de um ideário social, como missão para salvaguarda dos interesses coletivos, se assemelha ao empreendimento negocial, voltado para o enriquecimento de indivíduos e grupos. Este ano as batalhas abrirão arenas em cerca de 5.570 municípios brasileiros.
Liberdade é baderna
O conceito de liberdade confunde-se com a baderna gerada pela liberalidade extrema, tocada pela improvisação, pela irresponsabilidade, pela invasão dos espaços privados e até pelo denuncismo exacerbado da mídia. Quando o escopo libertário foi esculpido, no bojo da Revolução Francesa, carregava consigo o eixo da promoção dos valores do homem, da defesa dos direitos individuais e sociais, da dignidade e da Cidadania. O inimigo que se combatia era o Estado opressor, o absolutismo monárquico e a escravização que fazia do ser humano. Erigiu-se o altar das liberdades que, ao longo da história, tem sido conspurcado por outras formas de vilania e torpeza.
As coisas materiais
Na modernidade, a opressão econômica, a subordinação dos valores e princípios espirituais ao prazer das coisas materiais, a miséria absoluta que maltrata parcelas significativas da sociedade, a desigualdade de classes, o descompromisso de governos e representantes do povo para com os destinos da coletividade, entre outros elementos, contribuem para corroer o sentido da liberdade e da dignidade do homem.
O império da anarquia
A banalização da violência; a morte súbita a que estão sujeitas pessoas de todas as idades, em qualquer região do país; as endemias e pandemias; o descumprimento das leis; a falta de parâmetros reguladores que definam responsabilidades nas instâncias públicas; a angústia do desemprego, ainda alto; a frustração das classes médias em constatar rebaixamento em seu nível de vida; e, de outro lado, o enriquecimento escandaloso de grupos que se incrustam na administração pública – nos níveis Federal, estadual e municipal; a política incapaz de promover mudanças profundas no tecido institucional, a corrupção desenfreada e a impunidade – arrematam o sentimento de que a vida do país é um império de anarquia.
Afinal, onde estamos?
Estamos no meio do caos, no princípio da crise, no fim do túnel ou na rota dos horizontes de progresso? Ninguém sabe, mas todos se aventuram a garantir suas verdades. Porque o Brasil é um país de versões. Um país lúdico que ri da tragédia e se comove com a comédia. Comédia e tragédia, aqui, se fundem num amálgama que traduz a falta de essencialidade e racionalidade de um povo tropical. Isso tem imensas vantagens, mas o fato é que a improvisação, o gosto pela aventura, a alma criativa e a descontração provocam um sentimento de estágio numa cultura pré-civilizatória. Em consequência, desprezamos ou não damos o devido valor ao conceito de Nação, esse conjunto de valores, que reúne amor ao espaço físico e espiritual, solidariedade, orgulho pelo país, civismo. Onde estão as bandeiras brasileiras nas portas das casas? Onde e quando se canta o hino nacional? Quem sabe contar histórias sobre os nossos antepassados?
Parte II
Raspando o tacho
– A campanha para governo do RS, a se realizar apenas em 2026, foi aberta por Lula, ao nomear Paulo Pimenta ministro extraordinário para a reconstrução do Estado.
– Donald Trump e Joe Biden se enfrentarão em três debates antes de setembro. Fato inédito. A campanha norte-americana, com seus resultados, será uma bússola para o mundo.
– O mundo sob crises e guerras: um tempo presente de barbaridade, um futuro de horizontes fechados.
– Classes médias de cinto apertado. Tempos de Luiz Inácio.
– Petrobras perdendo perto de 50 bilhões em preço de mercado. Tudo bem? Tudo bem, dizem uns.
– Recomprar refinarias é boa coisa? Lula quer? Magda Chambriard, a nova CEO da Petrobras, vai atrás… Aceleração de projetos do governo? A CEO passará a quarta marcha.
– Por que a mídia não deu tanta importância à decisão da FIFA em escolher o Brasil como sede da Copa do Mundo feminino em 2027?
– Quase 12 milhões de brasileiros que não sabem ler nem escrever.
– Volta o discurso religioso para fazer “a cura gay”. Tempos indescritíveis…
– São Paulo, capital, tem duas grandes “pontes” eleitorais a atravessar: zonas Leste e Sul, que concentram os maiores colégios de votantes. Um desafio e tanto.
– A zona leste tem 3,2 milhões – sendo 255.289 registrados em seu maior colégio eleitoral, a 375ª ZE – São Mateus. A zona sul concentra o segundo maior contingente de eleitores, com 3,04 milhões. Deste total, 282.827 estão cadastrados na maior zona eleitoral da cidade, a 372ª ZE – Piraporinha.
– A IA está se aproximando da alma dos humanos: compreende as informações que chegam, não importa o que seja, conversa com os jeitos e trejeitos humanos, lida, ao mesmo tempo, com texto, som e imagem, sendo multimodal. Ou seja, enxerga tudo com a câmera e descreve imediatamente o que vê com voz. É o que explica Pedro Dória, em O Globo.
– A teocracia iraniana deverá escolher mais um conservador para a presidência do Irã, em eleições “consentidas” e “monitoradas” em 28 de junho próximo.
– Tempos horripilantes: adolescente de 16 anos, suspeito de ter matado pais e irmã no oeste da capital paulista. Motivo: pais recolheram seu celular.
– Procurador do Tribunal Penal Internacional pede punição com prisão de Benjamin Netanyahu.
Fecho com a querida Campina Grande, na Paraíba.
Em diagonal
Severino Cabral foi prefeito de Campina Grande/PB, vice-governador, chefe político de muitos votos. E conhecido pelas tiradas engraçadas. Uma tarde, no Rio, andava pela avenida Rio Branco. Resolvendo passar para o outro lado, meteu-se na frente dos carros, fora do sinal. O guarda gritou:
– Cidadão, não pode ir por aí. É proibido atravessar em diagonal.
Severino Cabral voltou:
– Você não conhece roupa não, ignorante? Isto não é “diagonal”. É “tropical maracanã”.
Atravessou em diagonal e tropical.
Porandubas é a coluna de Gaudêncio Torquato.
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