Os camisas auriverdes

Por Bruno Soller

Reagir é sempre uma condição natural ao ser humano quando este está sob ameaça. A década de 10 do novo milênio pode ser considerada como a década perdida do ponto de vista econômico. A recessão de 7% em dois anos, durante o governo Dilma Rousseff, colocou por terra as pretensões de que o Brasil pujante pudesse avançar rumo ao estrelato mundial. Depois de 20 anos de crescimento constante, sendo que em oito deles o PIB crescendo acima dos 4%, o país enfrentou uma reversão de expectativas em decorrência de um tsunami econômico, mostrando que não era apenas uma “marolinha”.

O desemprego, o endividamento, a perda do poder de compra e o aumento da violência abalaram consideravelmente as estruturas da classe C brasileira. Foram dois anos (2015 e 2016) de encerramento de atividades, ciclos, de redução de gastos e de reposicionamento frente à vida. Essa desilusão somou-se a toda uma infinidade de denúncias de corrupção envolvendo os principais nomes da política brasileira. O PT, partido do poder, teve três tesoureiros presos, vários ministros e o seu maior nome, Lula, indo parar atrás das grades. A oposição tucana foi envolvida em diversas denúncias sobre esquemas de corrupção no governo paulista e teve diretamente ligado o nome do seu candidato, em 2014, Aécio Neves, à operação Lava Jato.

Em épocas de turbulência econômica, o surgimento de líderes que proponham duro combate ao status quo é recorrente. São diversos os exemplos mundo afora. No Brasil mesmo, em 1989, Collor surgiu para vencer a derrocada econômica dos anos 80, caçando marajás e organizando o Brasil para o futuro contra a velha política. O fato é que a dificuldade de se fazer grandes mudanças e a própria dinâmica da administração pública, engessada e sem grandes possibilidades de ação unitária, acabam incorrendo normalmente em dois processos: ou o caminho da concentração de poder ou no da queda do poder.

Bolsonaro foi eleito com a expectativa de uma mudança radical. A sociedade brasileira, bem mais do que os 55% de eleitores que o escolheram, clamava por drásticas alterações do cenário. O presidente eleito carregou consigo a ideia da moralização da política, do combate à criminalidade e da recuperação da economia. Cercou-se de Sérgio Moro, juiz da Lava Jato, Paulo Guedes, respeitado pelo mercado financeiro e pelos os militares, que davam a sensação de ordem que o país pedia. Montagem ideal e que ganhou a opinião pública, rapidamente. Alguns que se diziam receosos, começaram até a enxergar alguma esperança.

A inabilidade política, a dificuldade em realizar as mudanças em pouco tempo e até mesmo condições externas que evidenciaram sua baixa capacidade para o cargo, todavia, fizeram com que quase metade do eleitorado que escolheu votar em Bolsonaro, em 2018, se esvaísse e aumentasse consideravelmente sua rejeição. O presidente derrete sua avaliação positiva e aumenta a percepção de desgosto de parte do eleitorado que acreditou ou deu algum crédito à sua plataforma.

Os marcadores somáticos, entretanto, são difíceis de apagar. Quando se olha para o processo político brasileiro, ainda parte do público entende que algo não está certo ao tentarem desprestigiar o presidente eleito com a esperança de aposentar a corrupção e devolver a dignidade ao país. Ao analisar a interação via redes sociais de apoiadores com o presidente, é nítido ver a quantidade de mensagens de apoio emocional que são feitas. São olhares incrédulos, que pensam: como podem atacar o homem que veio justamente para nos salvar?

Como grandes movimentos da história, o bolsonarismo se apega ao inimigo em comum. O PT, que esteve no comando do país por toda a década, cumpre o papel de ser o alvo direto, assim como eram os comunistas para o fascismo e os capitalistas para os bolcheviques. Os liberais são os traidores, que estavam na trincheira do antipetismo, mas que não têm a coragem de fazer tudo que é necessário para solapá-los, são fracos, ou como dizem os apoiadores do presidente, são “prudentes e sofisticados”. A imprensa é a elite do pensamento que trouxe o país até aqui, por que então acreditar nela? Há que se mostrar que estão todos em complô para que o presidente não governe e mude as coisas.

Com alguma estratégia e inteligência, a cúpula pensante do bolsonarismo investe cada vez mais nessa linha. Radicaliza o discurso, porque sabe que parte da sociedade vai comprá-lo. Não estão se importando muito com os que abandonaram o barco. A ordem é se manter, é mostrar que é possível derrotar o inimigo. É se segurar contra tudo e contra todos. É uma autoafirmação, que se espelha justamente nos apoiadores. Os camisas auriverdes, que vão ao cercadinho do Palácio e manifestam sua solidariedade ao presidente quase que todo final de semana, são pessoas que saíram ressentidas da crise e que acharam uma liga que os une e uma bandeira que os fazem se sentir parte de um processo.

Depois dos camisas vermelhas de Garibaldi e dos camisas negras de Mussolini, os verde-amarelos brasileiros se comportam como um verdadeiro exército e tentam suprir suas frustrações econômicas alinhando-se à trincheira do capitão-presidente. Diferentemente, no entanto, dos italianos a maioria da população brasileira não está na mesma tônica e isso faz com que esse movimento acabe isolado e seja até mesmo ridicularizado. O pior de tudo é que com a degradante situação, nem mesmo eles que esperavam ver suas vidas melhores, conseguem sentir essa mudança. Esse batalhão vai se despedaçando pela própria falta de condição de se manter.

Como o mundo já ensinou, essas aventuras de líderes que vêm como salvadores são marcos nas histórias dos países, seja por levarem à ditaduras, seja por acabarem como um fracasso, por vezes até impedidos. No Brasil atual, apesar da ânsia dos auriverdes em desejarem o fim das instituições, o fechamento do Congresso e do STF e a exaltação de Bolsonaro como um superlíder e comandante da pátria, a falta de melhorias reais para a população em geral e o caos econômico que se avizinha com o aprofundamento da crise gerada pelo coronavírus, promete ainda mais aniquilar o presidente. O cenário é mais propício para que essa experiência brasileira termine em um malogro retumbante.

 

(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.

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