Eleição que marcou início da Redemocratização completa 40 anos

Por Júlio Sonsol e Salomão de Castro (*)

Em 1982, as eleições estaduais marcaram o início do processo de Redemocratização no Brasil, com a retomada das escolhas por voto direto dos governadores. Nesta terça-feira 15 de novembro de 2022, transcorrem 40 anos destas eleições, em que foram escolhidos ainda 1/3 do Senado, bem como deputados federais e deputados estaduais, além de prefeitos e vereadores (com exceção das capitais, que prosseguiram tendo prefeitos nomeados pelos governadores).

A eleição de 1982 marcou ainda o fim do bipartidarismo. No período anterior, os brasileiros escolhiam candidatos entre representantes da Arena (sigla de apoio ao Governo Militar) e o MDB (partido de oposição). Há 40 anos, cinco partidos participaram das eleições: PDS (sucessor da Arena e, portanto, o partido de apoio ao então presidente João Figueiredo) e quatro partidos de oposição: PMDB, PTB, PT e PDT. Estes cinco partidos disputaram eleições posteriores e deram início a outras siglas ao longo das décadas seguintes.

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Com o início da Redemocratização do país, ainda no período sob o domínio do regime, o economista Gonzaga Mota foi eleito governador do Ceará em 15 de novembro 1982 pelo PDS com o apoio dos ex-governadores Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora. O trio assinou, em março de 1982, o Acordo dos Coronéis ou Acordo de Brasília, que em pouco tempo seria rompido, pelo desejo de mais autonomia política do chefe do Executivo estadual.

Na eleição de 1982, Gonzaga Mota foi eleito ao lado de Adauto Bezerra, como vice-governador, e de Virgílio Távora para o Senado. Foi a primeira eleição direta para o cargo de chefe do Executivo cearense, desde 1962, quando Virgílio Távora assumiu o poder estadual através do voto. O período da ditadura, instalado em 1964, rompeu com os princípios democráticos de manifestações populares por meio das urnas, transformando a escolha dos mandatários através de vias indiretas.

Diretor do Malce relembra pleito

O diretor do Memorial Deputado Pontes Neto, da Assembleia Legislativa do Ceará, Osmar Diógenes, lembrou que a disputa no Ceará pelo voto popular, em 1982 aconteceu entre Gonzaga Mota e os candidatos Mauro Benevides (à época senador pelo PMDB) e o municipalista Américo Barreira (PT). À época, PTB e PDT não participaram da disputa no Ceará. “Gonzaga Mota havia sido secretário de Planejamento do Governo anterior. Até então o Ceará era comandado por duas correntes políticas, lideradas por Arena e MDB. E a Arena era divida entre os coronéis Adauto Bezerra, César Cals Filho e Virgílio Távora”, relembra Osmar Diógenes, que foi reeleito deputado estadual pelo PDS em 1982.

O rompimento de Gonzaga Mota com o seu padrinho político, o ex-governador Virgílio Távora, entre outras questões, se deu também a partir da disputa pela Presidência da República, anos mais tarde, em 1985. Virgílio Távora era apoiador do então candidato Paulo Maluf (PDS), e Gonzaga Mota, embora aliado de Aureliano Chaves (PFL), acabou ficando com Tancredo  Neves (PMDB), que foi eleito presidente em votação indireta, pelo Colégio Eleitoral que reuniu o Congresso Nacional e delegados definidos nas Assembleias Legislativas, conforme lembra o diretor do Malce.

“O fato está marcado na história. Além da sua atuação política, Gonzaga Mota foi um secretário de Planejamento muito atuante e forte”, disse Osmar Diógenes. Ele ressalta ainda que a Redemocratização paulatina trouxe a todos um sentimento de esperança e de renovação. “O Brasil passou por um período de expectativa. A população foi para a rua pedir eleições diretas, esperando se reencontrar com os princípios democráticos e com o progresso da Nação”, acentua.

Na composição da Assembleia eleita em 1982, destacaram-se nomes como os de Barros Pinho e Maria Luíza Fontenele (ambos do PMDB) e de Ciro Gomes (PDS), suplente que veio a assumir o mandato ao longo da legislatura. Os três foram posteriormente prefeitos de Fortaleza: Barros Pinho, nomeado pelo então governador Gonzaga Mota ao longo do mandato, Maria Luíza Fontenele (eleita em 1985, tendo Américo Barreira como vice, ambos do PT) e Ciro Gomes (vitorioso em 1988, pelo PMDB).

Oposição ganhou espaço

Em razão do voto vinculado, tanto o governador quanto o vice-governador eram filiados a um mesmo partido. Além disto, os votos só eram considerados válidos se o eleitor escolhesse candidatos do mesmo partido para todos os cargos em disputa.

O pleito foi marcado por avanço da oposição, que conquistou os governos dos principais estados, dentre os quais São Paulo, com Franco Montoro (PMDB), Minas Gerais, com Tancredo Neves (PMDB), e Rio de Janeiro, com Leonel Brizola (PDT), na mais disputada eleição daquele ano. Dentre os eleitos do PDS, além de Gonzaga Mota, as principais vitórias foram de Jair Soares (Rio Grande do Sul) e João Durval Carneiro (Bahia).

Na eleição de São Paulo, o ex-presidente Jânio Quadros (PTB) também concorreu ao Governo do Estado. Outra curiosidade é que o atual presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também concorreu a governador, sendo sua primeira candidatura a um cargo eletivo. Jânio e Lula ficaram na terceira e quarta colocações, respectivamente.

Denúncia de fraude com voto impresso

As eleições no Rio de Janeiro foram marcadas por controvérsia. Ainda com o voto em cédulas de papel, nas eleições de 1982 foi montado um esquema de fraude a fim de favorecer o candidato governista Moreira Franco (PDS), que disputava o cargo com Miro Teixeira (PMDB), e o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, do então recentemente criado PDT. O embuste acabaria descoberto, como consequência da apuração paralela à do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), realizada pela Rádio Jornal do Brasil.

A manipulação principal aconteceria por meio de uma função infiltrada no sistema de contagem dos votos da empresa Proconsult, contratada para finalizar a apuração. A função ficou conhecida como “diferencial delta”. Nela, percentuais de votos dados ao candidato Leonel Brizola eram retirados, transformando-os em votos nulos ou simplesmente os transferindo para o concorrente pelo PDS.

A farsa começou a cair logo no primeiro dia da apuração, em razão do reconhecimento público do candidato do PMDB, Miro Teixeira, dando a vitória a Leonel Brizola. Este fato, aliado a grande discrepância entre os números oficiais do TRE-RJ e os da Rádio Jornal do Brasil, fez com que a apuração fosse suspensa. A partir daí, a Proconsult foi retirada do processo e técnicos do Serviço Nacional de Informações (SNI) foram ao Rio de Janeiro para eliminar do sistema dos computadores da apuração o “diferencial delta”.

(*) Júlio Sonsol é jornalista e colaborador do Eleições Brasil.  Salomão de Castro é consultor político e editor do Eleições Brasil.

Fonte: Portal do Servidor/Assembleia Legislativa do Ceará.