Minas de Zema não é Sul-Sudeste eleitoralmente; Minas é Brasil

Por Bruno Soller*

Desde a redemocratização não houve sequer uma eleição presidencial em que o candidato eleito tenha conseguido a faixa sem que houvesse saído vitorioso em Minas Gerais. Posicionado geograficamente no centro do País, com mais de 586 mil quilômetros quadrados de área territorial, o Estado é um compacto do mapa eleitoral brasileiro. Ao lançar um movimento do consórcio Sul-Sudeste, o governador mineiro Romeu Zema, que possui pretensões presidenciais, parece querer dialogar com um eleitorado externo, que pode lhe render uma posição interessante na disputa, mas que é insuficiente para vencê-la. Sem Minas, Zema precisaria romper um ciclo de nove eleições em que quem vence no Estado, vence no País.

Apostar no fato de ser governador de Minas para sair de lá ganhador não parece ser uma estratégia correta. Aécio Neves, em 2014, é um exemplo claro disso. Reeleito em 2006 governador com 77% dos votos, 21 pontos porcentuais a mais do que o próprio Zema em sua reeleição, que obteve 56% do eleitorado, e tendo feito seu sucessor Antônio Anastasia, em 2010 com 63%, ainda em primeiro turno, não conseguiu bater Dilma Rousseff, que o derrotou localmente por 52 x 48, repetindo exatamente o placar nacional.

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Esse repeteco de resultados em Minas e Brasil não é propriamente um acaso. Em 2022, Lula recebeu 50,2% dos votos dos mineiros e teve 50,9% dos brasileiros. Em 2018, Bolsonaro lá teve 58,19% e 55,13% do Brasil, uma diferença ínfima de 3 pontos. Nos últimos três pleitos praticamente houve um espelhamento numérico proporcional entre a terra de Tiradentes e o País. Esse fato se explica pelas características regionais dos votos no estado.

Ao analisar os resultados da última contenda é possível perceber essa discrepância regional. Em Itinga, na região do Vale do Jequitinhonha, próximo a divisa com a Bahia, Lula fez 78% dos votos do município, índices muito próximos da média do atual presidente em municípios do sertão nordestino. Já, na cidade de Monte Sião, no sul do Estado, na divisa com São Paulo, Bolsonaro garantiu 76% dos votantes. Em Itinga, o PIB per capita é de pouco mais de 8 mil reais, já em Monte Sião, atinge os 20 mil reais, realçando a lógica de quanto mais concentração de eleitores de classe C2 e D, maior votabilidade no lulismo.

Ao se dividir Minas Gerais em 8 regiões de características mais próximas, pode-se ver um certo balanceamento eleitoral interessante, com regiões acima dos dois dígitos porcentuais. Belo Horizonte, a capital, concentra 13% dos eleitores, a região metropolitana de Belo Horizonte, 17%. O Triângulo Mineiro e o Parnaíba 12%, Rio Doce e Mucuri, 10%, Norte, Nordeste e Jequitinhonha, 15%, o Sul e Sudoeste mais 13% e a Zona da Mata, 10%, assim como o Oeste e Centro de Minas.

A influencia cultural em cada uma dessas partes é bastante peculiar e movimenta o perfil sociológico desse mix de ascendências que compõem Minas Gerais. Desde o sotaque até nas preferências esportivas vê-se o comportamento em cada uma dessas partes do estado. Cruzeiro e Atlético, os maiores clubes em conquistas de Minas Gerais, dominam as preferências no Estado, mas são ultrapassados pelo Flamengo, segundo levantamento recente do Ibope Repucom, como time de coração da maioria dos mineiros da Zona da Mata, com grande influxo do Rio de Janeiro, e pelo Corinthians, na região sul mineira, muito semelhante ao interior paulista.

Propondo um certo embate regional com a formação de um consórcio para defender as regiões Sul-Sudeste, Romeu Zema consegue um protagonismo político, calcando-se numa polêmica que pode render-lhe algum apoio nos demais Estados da região, mas que pode ser perigoso justamente no seu berço eleitoral. Zema dificilmente ganhará mais votos em Minas Gerais por essa sua posição, correndo mais riscos de perder em algumas cidades dessa área mais nordestina do Estado em que teve boa votação na última eleição, como, por exemplo Montes Claros, onde fez 56% e Governador Valadares, 62%.

Insta perceber que o voto no Brasil não está diretamente ligado a questões regionais propriamente ditas, mas sim de classes sociais. Regiões onde há maior concentração de pobreza tendem a ter um comportamento eleitoral semelhante, desde 2006, no final do primeiro governo Lula. Seja na periferia mais pobre de São Paulo ou no sertão maranhense, o fator que mais determina o voto ainda é a condição social. Minas Gerais por ser esse retrato regional brasileiro não é diferente.

Com a impossibilidade da candidatura de Jair Bolsonaro, Zema busca ser o herdeiro eleitoral desse campo da política nacional. Tem a concorrência direta de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, e de Ratinho Jr, governador do Paraná, estes dois, sim governantes de um eleitorado sul-sudestino, mais rico e uniforme, que não tem votado no lulismo desde sua reeleição em 2006. Ao buscar ser líder desse movimento, Zema parece querer se igualar a seus pares, ao invés de aprofundar naquilo que pode ser sua diferenciação, que é a possibilidade real de ser um elo para esse campo dialogar com o Nordeste e a população de menor renda.

O último governador mineiro que se lançou à Presidência teve espetacular votação em São Paulo e Paraná, mas esqueceu de fazer a lição de casa. Inteligentemente, já vitoriosa em Minas Gerais, no primeiro turno, a campanha de Dilma Rousseff abusava da máxima de “quem conhece, não vota Aécio”, referindo-se à sua derrota em seus domínios eleitorais. Zema, se realmente quiser ter chances para 2026, deve estudar o ocorrido com seu conterrâneo e perceber que sua intentona pode lhe gerar alguma audiência, mas se tornar eleitoralmente um verdadeiro voo de galinha.

*Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University.

Artigo originalmente escrito para o blog “De Dados em Dados“, do Estadão.
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