Tarcísio, Flávio e Michelle: quem herda o espólio de Bolsonaro?

Três nomes despontam na disputa pelo espólio eleitoral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL): o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. As estratégias dos aliados do ex-chefe do Executivo, no entanto, seguem caminhos distintos nas redes sociais – a principal trincheira de batalha do bolsonarismo. Enquanto o clã Bolsonaro se apoia na imagem e ações do ex-presidente, Tarcísio foca na administração do Executivo paulista, com acenos esporádicos ao cabo eleitoral.

É o que aponta pesquisa da FGV Comunicação Rio, que monitorou as redes e as menções a figuras que estão sendo cotadas para representar a direita nas eleições de 2026, para indicar seu tamanho e atuação online. O estudo mostra um protagonismo de Michelle no Instagram e de Flávio no Facebook. Ainda assim, é o governador de São Paulo quem apresenta maior tendência de crescimento em ambas as plataformas. Os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), e do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), são mencionados como possíveis sucessores de Bolsonaro, mas em uma escala ínfima, se comparado aos três primeiros, diz o estudo.

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De janeiro a agosto deste ano, Flávio lidera o número de menções no Twitter entre os nomes mais citados entre os apoiadores de Bolsonaro. As postagens com o maior número de interações no perfil do “01″ destacam a atuação dele no Senado, declarações críticas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a discussão em torno da possível pré-candidatura à Prefeitura do Rio de Janeiro na próxima eleição municipal.

Especialista em Marketing Político, Marco Iten é autor do livro Eleição: vença a sua. Segundo ele, Michelle e Flávio apostam na exploração da imagem do ex-presidente pela proximidade familiar e por se tratar de uma estratégia de transferência de votos e influência.

“Como já estamos vendo, Michelle vai percorrer o País para participar de eventos políticos, encontros temáticos, religiosos, para transferir o prestígio dela para aliados com vistas às eleições municipais. É uma forma de garantir que, na próxima eleição nacional, ela tenha um engajamento orgânico que será fomentado, em parte, por essas lideranças. Quando Bolsonaro ou algum aliado vai até uma cidade do interior, por exemplo, isso ajuda a aumentar o engajamento na plataforma do aliado e trabalha um fortalecimento capilarizado. Isso já está acontecendo. Michelle está aparecendo mais em eventos do PL, por exemplo. É uma forma de não perder seguidores e deixar a imagem fresca para os eleitores”, explica.

O governador Tarcísio de Freitas e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro aparecem em seguida, mas com mais oscilações nas menções durante o período. O nome de Michelle ganhou tração nas redes sociais após o Estadão revelar que membros do governo Bolsonaro tentaram trazer ilegalmente para o Brasil, em outubro de 2021, um kit entregue pelo governo da Arábia Saudita que continha joias com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes. Depois de ter afirmado reiteradamente que não tinha conhecimento de nenhum conjunto de joias enviado pelo regime da Arábia Saudita, a ex-primeira-dama admitiu que recebeu, no Palácio da Alvorada, o segundo pacote de joias.

Mas não foi apenas a exposição negativa que impulsionou as redes sociais da ex-primeira-dama. Desde o início do ano, Michelle aumentou a participação em eventos do PL e passou a figurar nos bastidores como um dos nomes viáveis no partido para uma futura disputa presidencial.

Tarcísio lidera no Telegram

O governador de São Paulo lidera as menções nos grupos de Telegram analisados pela FGV. De acordo com o estudo, os eleitores de Bolsonaro tratam Tarcísio “como uma figura extremamente relevante e influente na cena política”, com elogios também à condução da segurança pública de São Paulo. Ainda de acordo com as mensagens analisadas, “as supostas desavenças entre o governador e Bolsonaro teriam sido apenas uma encenação para Tarcísio conquistar os votos de eleitores mais moderados”.

Tarcísio tem um crescimento maior a partir de maio em postagens sobre operações realizadas pela Polícia Militar de São Paulo e possíveis acenos positivos do governador ao governo Lula. Um ano após atingir a menor letalidade policial desde 2005, o Estado viu os dados desse tipo de morte crescerem no primeiro semestre de 2023. Capital, Região Metropolitana e Baixada Santista – onde 16 mortes foram registradas, após um soldado da Rota ser assassinado no Guarujá – concentram os maiores números. Em todo o Estado, esse índice subiu 9,4% nos seis primeiros meses do ano. Foram 221 registros, ante 202 no mesmo período do ano passado.

“O Tarcísio, obrigatoriamente, tem que pautar suas realizações de governo. Ele está no Executivo e será cobrado em uma nova eleição. Ele não pode se pautar apenas na imagem do presidente. Já a esposa e o filho carregam o sobrenome e têm essa possibilidade maior de exposição. A Michelle se tornou uma potencial candidata após a decisão do STF. Já Flávio tem um espólio próprio de eleitores”, explica Marco Iten.

Michelle tem o melhor desempenho no Instagram

No Instagram, Michelle tem o melhor desempenho, com engajamento superior ao governador Tarcísio, que é o segundo nome entre os possíveis sucessores na plataforma. Entre as postagens com maior engajamento, estão um vídeo em que a ex-primeira dama utiliza os produtos da sua linha de cuidados faciais no rosto do ex-presidente Bolsonaro e versículos bíblicos. Há poucos conteúdos relacionados a atividades políticas entre os de maior destaque.

Apesar do maior engajamento, Tarcísio é quem lidera o número de seguidores ganhos na plataforma desde o início de agosto: foram 73.211 seguidores a mais no período. O governador figura bem à frente de Zema e Flávio Bolsonaro, que ganharam respectivamente 22.685 e 17.910 seguidores. A ex-primeira dama, apesar de destaque no Instagram, ganhou apenas 1.019 seguidores, apresentando uma tendência de queda desde o dia 9 de agosto.

Diretor da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o professor Marco Aurélio Ruediger, aponta que, entre os três nomes analisados, Tarcísio é quem possui, até o momento, uma narrativa mais consolidada.

“A ex-primeira-dama não representa nem o todo do bolsonarismo. Não tem essa verve política, mas tenta se construir como uma alternativa. Ela fica presa ao segmento de parte do eleitorado. O Brasil é mais complexo. Ela surge com uma potência pela associação com o Bolsonaro, mas o Brasil não é um País onde o candidato vence por guetos. No caso do Tarcísio, ele busca um eleitor mais moderado, mais racional, ele se coloca como um nome técnico. Joga em uma estratégia que requer tempo. Ele é vinculado à resultados. E isso não acontece de um dia para a noite. Ele possui uma narrativa mais sólida e, à medida que entrega resultados no governo de São Paulo, se fortalece nacionalmente”, explica.

No debate específico sobre sucessão, Tarcísio de Freitas e Michelle Bolsonaro são os destaques. O governador, no entanto, é visto como a escolha que atrairá mais votos da direita moderada. De acordo com a FGV, o maior pico de busca por temas relacionados à sucessão de Bolsonaro se deu em 30 de junho, quando Bolsonaro se tornou inelegível.

Segundo o cientista político Marcus Ianoni, da Universidade Federal Fluminense (UFF), a sucessão de Bolsonaro na direita deve se consolidar à medida que o ex-presidente demonstrar a preferência dele para as próximas disputas eleitorais. Por enquanto, ele avalia que os três nomes buscam aumentar a base de apoiadores até para se cacifar perante ao ex-mandatário.

“Por se uma disputa ainda distante, Bolsonaro não quer “queimar” os nomes que poderão sucedê-lo. Por isso, a estratégia de aumentar, por conta própria, mesmo que com uma associação direta ao ex-presidente no conteúdo, o engajamento em suas redes pode fortalecer os três nomes de uma forma independente. A herança do espólio bolsonarista para uma disputa nacional deve se dar às vésperas do pleito”, explica.

Por Rayanderson Guerra originalmente escrito para o Estadão.