Por Charlles D’Angelus
Esta série de artigos sobre liderança política para o portal Eleições Brasil é fruto de imersões, encontros e seminários que já aplicamos em vários eventos, não só para agentes públicos, mas também para gestores, executivos, diretores e pessoas que exercem papel de líderes na sociedade e em suas organizações.
De forma mais técnica e ao mesmo tempo conceitual estamos tentando chamar a atenção e desmistificar que liderança não é uma exclusividade de gurus, grandes chefes de estado, generais, capitães, religiosos ou muito menos de um político iluminado ou populista.
Com certeza você já leu e escutou várias visões sobre liderança. Mas, existe uma definição que eu classificaria como a essência do verdadeiro sentido de liderança, o “saber”.
A essência do saber é a característica mais marcante em um líder. O saber fundamenta a existência da liderança, porque, é dessa essência que nascem a missão, os objetivos e as metas do líder.
- Liderança provisória e liderança perene
O duplo caráter antropológico da liderança podemos definir em liderança provisória e liderança perene. Essa divisão é compreendida através do princípio de propósito que alicerça todo o ser do líder.
A liderança provisória sempre está relacionada como uma posição de poder. O líder do governo só ocupa essa posição quando lhe é concedida a autorização de ser líder. O líder de um partido, mesmo que seja o fundador desse partido está ali por conta de seu ativo político que envolve inúmeras variáveis; se não houvesse ativos políticos, conflitos de interesse ou estratégias partidárias, não haveria razão para a manutenção daquele agente no cargo de liderança. Em boa parte, o líder político ocupa posições por autorização de outra parte e de forma direta através do voto que é consequência dos anseios, sonhos, necessidades de um grupo social, de parte da população etc. Tal condição determina o caráter provisório do líder político e sua responsabilidade igualmente provisória.
A liderança perene, por sua vez, está ligada a fatores internos e consistentes, não relacionados a uma conjuntura específica. Tem a ver com uma formação densa do líder, “o que ele é” e não “onde está”. A liderança perene funciona “independente”, para além de conquistas eleitorais ou da ocupação de espaços políticos.
Em 2017, a empresa Semantix realizou um amplo estudo em todos os estados da federação sobre “Liderança Política no Brasil”, juntamente com a Infopro Learning e a Cambridge Analytica com a supervisão da Bedrock Analytics. Um dos resultados mais chamativos foi que apenas 11% dos eleitores consideravam que seus candidatos ao serem eleitos haviam se tornado verdadeiros líderes políticos em referência aos seus anseios, visões e necessidades. Destes, somente 32% consideravam seus líderes “muito efetivos” no atingimento de suas propostas. Os dados reforçam a ideia de que muitos líderes políticos que são eleitos exercem tão somente a liderança provisória.
Muitos talvez não percebam, mas convém observamos que o aspecto da validação do voto concedida ao líder político e a relação com a dimensão provisória desta atribuição é muito mais sutil do que se imagina. Deixando de lado aquela já arcaica máxima que avisa que “você não é um líder político, você está líder”, sobra pouco por dizer. Porém o que sobra é exatamente o que dá sentido pleno à liderança política e que é capaz de dar longevidade à suas posições de liderança: receber renovadas e sucessivas autorizações para ocupar tal lugar.
2. O poder pelo poder e o poder pelo saber
Estar autorizado a ser um líder político se concretiza por duas vias distintas: em razão de se ter o poder de poder ou em razão de se ter o poder do saber. Nas duas formas de liderança o caráter provisório do poder está posto. Quando se lidera baseado no poder pelo poder, o líder está autorizado apenas enquanto for útil ao propósito de quem o colocou na posição. A jornada de um líder político baseado nessa premissa é extremamente provisória e passageira na medida em que depende de outrem que é afetado por vários fatores e estímulos externos. Já no poder do saber, o líder político conquista pelo caráter do conhecimento que age por propósito para atender a anseios, sonhos e necessidades de outrem.
Estou convencido através de inúmeras experiências que tocamos que o único alicerce sobre o qual se pode construir uma liderança política perene e sólida é o poder do saber.
O saber aqui em questão não está relacionado simplesmente por um imenso volume de informações acumuladas de forma técnica ou por um enriquecimento intelectual do líder, mas pela profunda aquisição do senso crítico que desenvolve a sua capacidade de entender as variadas situações vividas na realidade contemporânea e o conduz a se posicionar de forma coerente e consequente. Deriva o saber em geral do servir em geral.
Parece utópico e é preciso que se diga que esse conceito não é de fácil assimilação na espera pública. A visão sobre o poder do saber orientada para o serviço mais parece algo poético ou um discurso de impacto do que um pensamento conciso e verdadeiro.
No entanto, o poder do saber não é um fim em si mesmo. O poder do saber é um meio para a realização de um valor, um propósito. Por isso, quando o líder não encontra sentido nesse propósito ele tende a voltar-se para a o seu próprio interesse, transformando e distorcendo o poder do saber em um fim em si mesmo.
3. O poder do saber para servir e o servir para poder saber
Há uma grande diferença entre o poder do saber para servir e o servir para poder saber. O poder do saber para servir está diretamente ligado a necessidades pessoais. Serve-se durante o mesmo tempo em que se vai servindo às suas necessidades. Já o servir para poder saber está diretamente ligado a virtude altruísta do líder. Serve ao outro para atender às suas necessidades, até que elas deixem de existir.
Nesta perspectiva, poderíamos fazer uma metáfora, onde, o saber e o servir combinados se tornam os veículos do poder, o líder é o passageiro deste trajeto e o bom exercício da função pública é o destino final. Enquanto o saber pode distanciar o passageiro do seu destino, o servir sempre o aproxima. O servir não se preocupa com o passageiro, mas sim com o destino.
O poder cedo ou tarde chegará ao destino se este estiver sendo levado pelo servir.
(*) Charlles d´Angelus é HEAD e CMO da D´Angelus Business and Life, Coach Político e Especialista em Mobilização e Treinamento. Escreve às quintas-feiras no Eleições Brasil. [email protected]
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do portal Eleições Brasil, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.