Agenda global, campanhas locais

Apesar, de em pleno século XXI ainda existirem alguns excêntricos que defendam o isolacionismo no plano internacional, quase que como para comprovar a tese de que toda unanimidade é burra. O fato é que nunca o mundo esteve tão conectado. A pandemia da COVID-19, causada pelo novo coronavírus, vernáculo conhecido mundo a fora, é a maior prova da globalização por si só.

É impossível discutir política em qualquer parte do globo sem falar dessa epidemia, até mesmo em poucos mais de 30 países que não registraram casos da doença, e, principalmente, sobre os resultados que ela deixará nas mais variadas sociedades. Do Malawi à Finlândia, de Nauru ao México e de Trinidad e Tobago às Filipinas, o mundo está “infectado” pelo assunto e a grande preocupação é sobre o futuro, principalmente, no que concerne às pessoas.

Além do Brasil, que realiza eleições nos seus 5568 municípios, várias outras nações também passam por processos eleitorais de cunho local. Ulaanbaatar, na Mongólia, decidirá sobre seu próximo prefeito, Camberra na Austrália, Santiago, no Chile, e Bucareste, na Romênia, também o farão. Tóquio e Kagoshima, no Japão, elegerão seus próximos governadores, assim como as províncias russas, ucranianas e tanzanianas. Nos Estados Unidos, além da eleição presidencial, diversos estados realizam eleições para distritos e alguns para as prefeituras.

A atual governadora de Tóquio, Yuriko Koike, lançou-se candidata à reeleição e foi objetiva no seu speech: “meu foco agora é nocautear o coronavírus e revitalizar nossa economia. As pessoas são nosso alvo.” Em Portland, Oregon, o debate no segundo turno é sobre a condição dos sem teto, que aumentaram demais após a epidemia. Gabriela Firea, prefeita de Bucareste, na Romênia, que aparece com 40% nas pesquisas para a reeleição, pediu aos eleitores que deem mais uma oportunidade a ela para que possa cumprir essa missão humana que é proteger seus habitantes.

O olhar para as pessoas, para as dificuldades do pós-pandemia, para a assistência social, substituirão a discussão das urbanidades. Debates sobre grandes obras, recuperações asfálticas e inaugurações suntuosas serão reduzidas a um complemento da mensagem principal sobre quem pode fazer mais pelo povo. É um momento de reconstrução, de reestruturação, em que o empobrecimento atingiu todos os cantos do redondo planeta.

O Brasil, que há 20 anos tinha uma renda por habitante 9% acima da média mundial, deverá acabar esse ano com 16% abaixo. Uma reversão gigantesca de expectativas de um país que recuou nos índices de desenvolvimento social e econômico. Essa realidade está posta e as eleições serão o momento dos postulantes apresentarem soluções para essa situação.

O Rio de Janeiro, cidade brasileira mais conhecida no exterior, tem números alarmantes de mortalidade (10% dos que se contaminam pela covid-19 falecem, quase o dobro da média brasileira), justamente no mandato em que o prefeito prometeu, durante o pleito passado, fazer uma gestão que cuidasse das pessoas. Evidentemente, que ele não é o único culpado. Vale recordar que os últimos quatro governadores do estado foram presos e o atual é investigado. Mas, todavia, a capital fluminense é um exemplo de que essas realidades serão evidenciadas durante o certame eleitoral.

Candidatos que já foram prefeitos ou ocuparam cargos executivos mostrarão que em um momento desses não se pode apostar. Serão lançados como um voto de segurança. Os novatos dirão que a situação só está assim, porque estes experimentados não resolveram diversas questões. Situacionistas mostrarão o que fizeram para remediar o quadro e oposicionistas dirão que fariam melhor do que o atual mandatário fez. Mas, nenhum deles conseguirá fugir do assunto principal e terão que responder o que farão pela gente da cidade.

A crise financeira de 2007/2008, precipitada pela falência do Lehman Brothers, nos Estados Unidos, impactou o sistema econômico mundial e mudou diversos costumes sociais pelo mundo. A taxa de natalidade despencou nos países mais desenvolvidos, políticas de austeridade fiscal foram adotadas e as eleições nacionais subsequentes tiveram forte componente emocional de virada de jogo e de recuperação de autoestima. Barack Obama contagiou o mundo lançando o slogan Yes, We Can (Sim, Nós Podemos), que veio como uma onda de esperança de que era possível superar a quebra.

A diferença maior, dessa crise para a atual, é que ela se restringiu ao centro do mundo e não à periferia, como a pandemia tem atuado. Além do mais ela foi sistêmica, não humanitária. Nessa franja do cenário econômico global, a miséria já é presente, a desigualdade é real e as pessoas já se agarram a fé muito mais do que nesses países. Em levantamento do Pew Research, a quantidade de pessoas que dizem ser fundamental a religiosidade em países como Brasil, Indonésia, Nigéria e México é quase o dobro da média de países como Alemanha, Noruega, Dinamarca, Canadá e Holanda.

Vender confiança e expectativa é uma tarefa árdua para quem já tenta se manter pela crença, mas ela se equilibrada e revestida de factíveis intenções, misturada com muita humanidade e olhar para os que mais precisam, pode ser a receita-base para uma candidatura de sucesso. Para o candidato será necessário convencer e para o eleitor, como já entoava os Paralamas do Sucesso em um dos seus blockbusters, caberá acreditarem e se agarrarem na “arte de viver da fé, só não se sabe fé em quê.”

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