Por Bruno Soller (*)
Era campeonato paulista de futebol, de 1983, o Palmeiras não vencia o Santos há quatro anos consecutivos. No estádio do Morumbi, o time alviverde chegava aos últimos minutos, sendo novamente derrotado, placar 2×1 para os santistas, eis que em um chute despretensioso que se endereçava para a linha de fundo, a bola bate nas pernas do árbitro José de Aragão e os palestrinos empatam a partida aos 47 minutos do segundo tempo. Essa história rendeu um capítulo à parte no futebol brasileiro e ficou conhecido como o famoso “gol de juiz”. O árbitro que havia entrado apenas para apitar o clássico se consagrou como o artilheiro daquela tarde.
Despretensiosamente, o personagem que entrou em campo para fazer uma tarefa, acabou ocupando uma função que não era a sua de origem, mas que foi decisiva para o certame. Esse paralelo traz à tona a figura de outro juiz, que subiu à relva para ser um julgador de um processo complexo de corrupção e em pouco mais de quatro anos, é visto como um potencial presidenciável, angariando um novo e potente inimigo, que outrora foi aliado, e que agora é seu maior adversário na luta pela faixa verde e amarela. Sérgio Moro se tornou o maior pesadelo para Bolsonaro e o único dos pretensos candidatos em 22, que neste momento o incomoda na sua própria base eleitoral.
Ao ser decisivo para a prisão do ex-presidente Lula, Moro virou uma espécie de herói entre aqueles que rejeitam o petista. Sua atuação firme e ativa fez da Lava Jato uma espécie de operação de limpeza da política nacional, no entendimento da maioria da população. Amedrontou a classe política, foi responsável por criar um sentimento de repúdio a todo o status quo, e gerou uma esperança de que as práticas seriam mudadas. A Lava Jato representou uma ideia de fim da impunidade. Essa marca fez com que Moro, por um bom período, virasse quase que unanimidade entre os brasileiros.
Sua indicação para ministro do governo Bolsonaro, apesar de gerar grita entre os lulistas, principalmente, que acusavam o ex-magistrado de ter sido um arquiteto de um golpe que impossibilitou o condenado em duas instâncias, Lula, de disputar a eleição nacional em conluio com o presidente eleito, foi amplamente aprovada pela opinião pública. Uma média das pesquisas da época apontam mais de 70% de aprovação pela sua escolha para o cargo. A ida de Moro para o governo Bolsonaro gerou um reforço importantíssimo de imagem para o presidente que vinha imbuído do objetivo de desmontar a corrupção no país.
De incontestável a vidraça, Moro teve que conviver com uma série de denúncias feitas pelo The Intercept Brasil, de que teria sido parcial e suspeito no julgamento de Lula. A clara preferencia política dos autores do site, no entanto, pouco arranharam a percepção que as pessoas tinham de Moro, já que parecia mais uma guerra de narrativas políticas do que uma real denúncia que maculasse o personagem herói. Prova disso é que até sua saída do ministério, todas as sondagens apontavam o ministro da justiça como o mais bem avaliado e de melhor imagem entre os integrantes do governo, superando o presidente.
Essa mesma realidade não se repetiu com a sua saída do governo. A ruptura foi desgastante tanto para Moro, quanto para Bolsonaro, que experimentou nos dias subsequentes à saída sua pior avaliação em toda a série histórica como presidente, medida pelos mais diversos institutos. Moro, ganhou uma nova ala de haters que se juntaram aos lulistas na arte de buscar desconstrui-lo. O presidente deu o tom em pronunciamento oficial, bastante confuso, mas certeiro no golpe, de como ele seria visto pelos seus apoiadores: o traidor.
Nas sondagens para o próximo pleito, Moro penetra diretamente no eleitor que votou em Bolsonaro na última eleição. Seu público mais apto coincide com o do presidente na idade, no caso os mais velhos, na renda, os mais endinheirados, superando Bolsonaro entre os eleitores de classe B, e na percepção de mundo, mais conservadores nos costumes e evangélicos, como doutrina religiosa. O fato de ser do Paraná, o faz ainda muito mais competitivo no corte regional, liderando as pesquisas quando se contabiliza apena o Sul do país.
Em sua primeira discussão pública sobre o Brasil, após sua saída, agora como colunista da Revista Crusoé, Moro partiu de cara para uma diferenciação com o governo atual. Fez uma defesa intransigente da democracia mesmo cauteloso com a forma que abordou as Forças Armadas, mas mostrando que elas não cumprem papel político na República. O discurso dialoga com 75% dos brasileiros que apoiam a democracia, conforme levantado pelo Datafolha, e tem função de construir sua roupagem de candidato.
O mundo tem dado mostras de que a agenda que foi disseminada pelos quatro cantos com a vitória de Donald Trump, em 2016, nos Estados Unidos, com viés nacionalista, de cunho mais conservador, tem diminuído de força. Nos Estados Unidos, Joe Biden tem desempenhado bom papel nas pesquisas com um discurso mais global, inclusivo e liberal. Na Polônia, onde o ultraconservador presidente Andrzej Duda dava como favas contadas sua reeleição, a surpreendente ascensão do liberal prefeito da capital Varsóvia, Rafal Trzaskowski, garantiu um segundo turno que promete ser bastante disputado. Com seu tom democrático e mais plural, provavelmente, Moro aposta nessa avenida.
O Brasil, todavia, tem a maior parcela da população bastante desassistida e que está fundamentalmente preocupada com outras questões mais propícias às suas realidades. Há que se ver como Sergio Moro tentará se comunicar com essas massas, ou até mesmo, se fará uma disputa, caso se candidate, para ser o dono do voto das classes A e B (29% da população) e de parte da C1 (23,1%), que pode leva-lo a um segundo turno. O fato é que Moro já desempenha outra função em campo e, diferentemente, do acaso que atingiu o arbitro Aragão, naquele clássico, o juiz da Lava Jato parece estar realmente disposto ao posto de artilheiro.
(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.
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