Função: pagar

Por Bruno Soller(*)

A reforma eleitoral de 2017 definiu que o financiamento das campanhas no Brasil se daria em seu maior montante por meio de recursos públicos e as contribuições privadas seriam apenas individuais e limitadas ao poder de renda do doador. O fundo eleitoral criado abastece os partidos políticos, que recebem proporcionalmente ao tamanho da sua bancada parlamentar eleita no pleito anterior. A lógica inicial era de fortalecimento das agremiações partidárias, que ficaram responsáveis por destinar os valores para as candidaturas que considerem mais aptas a ganhar, e, portanto, dignas de investimento. Algumas outras mudanças no jeito de fazer campanha, no entanto, enfraqueceram as siglas partidárias perante o eleitorado e as limitaram como cartórios de registro de candidaturas e de pagamento de campanhas.

No Brasil de 2020, os cinco principais nomes cotados para a eleição nacional em 2022 são tudo menos um projeto partidário. Jair Bolsonaro é o primeiro presidente sem partido do país. Tenta viabilizar o Aliança pelo Brasil, pra chamar de seu, porque a regra não permite candidatura independente. Na oposição imediata, aguarda-se pelo nome de um candidato que represente o lulismo, muito mais do que o do PT, partido que deve indicar o nome. Sérgio Moro namora com o Podemos, assim como Luciano Huck com o Cidadania, mas, ambos, hoje, não estão filiados e falam por si só. Ciro Gomes já esteve no PDS, PMDB, PSDB, PPS, PSB, PROS e, finalmente, PDT, sete legendas, da direita à esquerda, mostrando que sua figura transcende a questão partidária.

A personalização da política brasileira se dá em todos os aspectos. Com um sistema eleitoral para eleger parlamentares quase que único no mundo, o Brasil conseguiu imprimir a personificação na proporcionalidade. Nosso sistema de voto parlamentar é proporcional, mas a lista é pós ordenada, ou seja, o voto que se dá é direto na pessoa e o eleitor define a posição do seu candidato na lista partidária. Essa maneira de votar é que gera alguns candidatos que são puxadores e elegem outros com baixíssima votação. O eleitor vive a falsa expectativa de que seu voto é pessoal, porque não entende a lógica da proporcionalidade e da lista. Na maioria dos países que aderem ao sistema proporcional, a lista é pré-ordenada, também chamada de lista fechada, e as pessoas votam no partido e não em um candidato.

O final das inserções partidárias também contribuiu sobremaneira para o enfraquecimento das agremiações. A propaganda reforça o nome, dá a possibilidade da divulgação das ideias, relembra as figuras políticas que são de cada partido. Dá cara e tom. Nesse momento em que vivemos, seriam ainda mais importantes já que uma boa parcela dos partidos fizeram transições dos seus nomes e atualização de seus estatutos: o PTdoB virou Avante, o PRB, Republicanos, o PP, Progressistas, o PPS, Cidadania, o PTN, Podemos, o PR voltou a ser PL e o PCdoB, discute usar o nome fantasia de Movimento 65. Se já havia pouca familiaridade com os nomes anteriores, que dirá com esses que surgiram há pouco tempo.

Essa concepção da política ser personificada é uma das maiores responsáveis pela proliferação de “microcartórios” no país. Como os partidos não têm força eleitoral, cada político quer ter o seu próprio para ter acesso aos fundos que garantem a sobrevivência. A existência de partidos e movimentos é salutar para a democracia e vários lugares do mundo têm centenas de grêmios políticos que defendem as mais variadas causas. Há desde o “movimento de defesa dos guaxinins”, que lança candidaturas em Ohio, EUA, até o “partido dos sem partido”, na Índia. Fato é, que partido é um movimento da sociedade, não de governo. Isso é fundamental para concebermos a sua importância e essa talvez seja a grande incongruência da política brasileira, que basicamente estatiza partidos políticos, garantindo sua existência por meio do fundo público partidário e não permite que livremente se organizem para angariar novos militantes e filiados.

As cláusulas de barreiras eleitorais e o fim das coligações proporcionais devem nas próximas eleições diminuir a quantidade de partidos com representação no Congresso, e com isso extinguir algumas agremiações. A primeira eleição com a nova regra, a de 2018, já fez com que o PHS se fundisse ao Podemos, o PPL ao PCdoB e o PRP ao Patriota. Com o aumento progressivo da cláusula, alguns mais tradicionais correm o risco de ficarem sem representação e sem recursos. Há uma aposta otimista de que com essa nova dinâmica e a diminuição forçada de partidos, possa haver uma nova relação do eleitorado com as siglas, gerando maior identificação. O entendimento é numérico e não de falta de representatividade.

Para que algo nos toque, nos encoraje a defender, precisamos ter contato e conhecimento com a causa. Os partidos precisam ser livres para impactar. Há que se permitir a compra de horário na televisão, modificar a estrutura de financiamento dos partidos e acabar com as amarras eleitorais de prazos tutelados que não deixam a política ser amplamente discutida no país. Quem acredita na representação democrática precisa encorajar que os partidos sejam visíveis, assim como são nas grandes democracias do mundo.

Com estruturas mais livres, menos engessadas, a aderência às plataformas criaria uma nova dinâmica de relação das pessoas com a política. Em pleno mundo digital, nosso sistema político é cada vez mais analógico. Enquanto a busca é pela simplificação dos processos, a estrutura cartorial brasileira impera e faz dos partidos inalcançáveis estruturas que não se conectam ao seu prévio objetivo. Proliferam-se candidaturas independentes dentro de siglas, que viram apenas departamentos burocráticos que fazem compensações financeiras. Da função de representar pensamento pouco sobra e rege, apenas, a função de pagar as autônomas campanhas.

(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no Eleições Brasil.

Twitter: @brunosoller – Instagram: @brunosoller – E-mail: [email protected]

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