Matando vacas e carrapatos

Por Aurízio Freitas (*)

O “novo normal” do controle da liberdade de expressão vai se estabelecendo no Brasil. De forma inédita, aprovou-se, em uma pandemia e sem audiências públicas, um Projeto de Lei no Senado Federal sobre “fake news”. O projeto está na Câmara dos Deputados, onde se clama por um debate aprofundado.

O termo fake news, embora não usado no PL 2.630/2020, é comum no Congresso. Genérico, implica de forma automática e permanente a desqualificação do jornalismo. Hoje, quem é contrariado por uma notícia, logo brada: fake news!

O debate do PL desconsiderou a extensão do tema, que envolve fenômenos como pós-verdade, excesso de informação (flood, spam), desinformação por informações incompletas ou parcialmente verdadeiras e contrainformação, esta sim ligada a informações falsas. Desconsiderou também que contraponto e denúncia são parte viva do processo político. Para excessos e ilegalidades existe legislação e pleno funcionamento das Instituições.

É nas redes sociais que o PL mais ataca a liberdade de expressão e o Estado de Direito. Segundo nota da Coalizão Direitos na Rede, composta por mais de 40 organizações acadêmicas e da sociedade civil em defesa dos direitos digitais, “a figura do ofendido não existe no PL e traz enorme dificuldade de delimitação, com previsão superior inclusive à honra, que existe no ordenamento brasileiro. O direito de resposta, que é constitucional, deve ser baseado em decisão judicial. Do contrário, tal medida será terceirizada às plataformas...”.

Caminho diferente do Senado trilhou o Tribunal Superior Eleitoral que reuniu, em 2018 e 2019, especialistas em seminários abertos ao público e dos quais resultaram consistentes publicações e campanhas educativas e de utilidade pública.

Para o cidadão fica a análise de três aspectos da ação dos parlamentares:

  • Se têm ou não plena consciência e conhecimento sobre o que legislam;
  • Se agem ou não por rivalidade política e interesse particular, em prejuízo do interesse público; e
  • Quais serão os resultados efetivos a colher.

Diz-se no popular: “não se deve matar a vaca para matar o carrapato”. Exagerar na dose do veneno pode asfixiar a Democracia.

(*) Aurízio Freitas é consultor político e estrategista eleitoral.

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do portal Eleições Brasil, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.

 

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