Vote em 1, leve 5: o que são as candidaturas coletivas a vereador?

Nas últimas duas eleições, o número de candidaturas coletivas para o Poder Legislativo explodiu. Começou com sete, juntando os pleitos de 2012 e 2014, para chegar a 98 em todo o país, somando os números de 2016 com os de 2018, segundo levantamento do Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade). Para este ano, a tendência é que esse recorde seja quebrado novamente. E com facilidade.

Apenas na capital paulista, o UOL levantou junto aos partidos que ao menos 34 candidaturas coletivas estarão na disputa por vagas na Câmara Municipal. Outras ainda estão em processo de formatação. Não há nenhum mandato coletivo atualmente no legislativo paulistano.

Quem aposta em uma candidatura em grupo faz isso motivado por fatores que vão da ideia de que a política não é individual, mas coletiva, até a busca por uma maior representatividade na política. “[A candidatura coletiva] é um bom espaço para outsiders”, diz o especialista em direito eleitoral e doutor pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) Luiz Fernando Casagrande Pereira.

Outsiders

Há também a ideia de que conseguir votos para um grupo é mais fácil do que para uma pessoa sozinha. “Nós víamos diversos candidatos com deficiência e nenhum sendo eleito”, diz Bruno Beraldin (PSDB), do “Todos pela Acessibilidade”, pré-candidato a vereador de um grupo de cinco pessoas com diferentes tipos de deficiência.

Sentindo falta de voz na Câmara, o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) lançará uma candidatura coletiva. “A gente decidiu que precisa de representatividade”, diz Jussara Basso (PSOL), que estará com outras duas militantes do MTST no “Juntas” para representar também as “mulheres negras e as mães solos da periferia”.

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Ex-presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Carina Vitral (PCdoB) vê como positivo estar em uma pré-candidatura com outras três mulheres: “São quatro biografias, que são mais diversas que uma só”. “Você trabalha a potencialidade de agenda, de articulações que cada uma tem. Na prática, você tem quatro campanhas. Você tem mais gente se dedicando àquele projeto com afinco”, diz Carina, que terá uma experiência coletiva na “Bancada Feminista” depois de não ter conseguido se eleger deputada estadual em 2018.

Avanço dos coletivos

Segundo um estudo da Raps, o Brasil tem experiências de mandatos coletivos desde 1995, mas eles conquistaram mais espaço nas últimas eleições. Atualmente, há pelo menos 20 em atuação nas casas legislativas do país. No total, todas as candidaturas coletivas que já disputaram uma eleição no Brasil conquistaram juntas mais de 1,2 milhão de votos. Cerca de 12% deles, porém, foram para apenas uma campanha: a da “Mandata Ativista”, antiga “Bancada Ativista”, para a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), em 2018.

Formado atualmente por oito codeputados, o grupo acredita que apenas unidos poderiam conquistar uma vaga como deputado estadual. “Não teria outra forma de eleição que não fosse coletivamente”, diz Mônica Seixas (PSOL), porta-voz do grupo. “Porque [a gente] é muito pobre, vulnerável.”

Com sua experiência na “Mandata”, ela diz que está acompanhando mais de cem candidaturas coletivas para a eleição deste ano. “A gente está se multiplicando. A gente tem consciência que nossa experiência é exemplo para muita gente.”

Uma delas é inclusive de um colega de mandato, Jesus dos Santos (PDT), que tentará com o coletivo “Periferia É o Centro” ocupar uma vaga na Câmara paulistana. “A oportunidade que eu tive, em 2018, de fazer parte de um mandato coletivo me colocou em um lugar que, para outras pessoas chegarem, também vai precisar ser mandato coletivo”, lembra Santos.

Antes de estar em um grupo disputando um mandato no legislativo, ele diz que “nunca se permitiu sonhar com isso”. “Esse lugar sempre foi distante. Até dois anos atrás, eu estava morando numa ocupação cultural, tirava o dinheiro da minha sobrevivência tocando no farol.”

Existe mandato coletivo?

Legalmente, não. “Embora a campanha seja em grupo, apenas o eleito —o que teve seu nome e foto na urna— poderá votar nas sessões e realizar todos os atos parlamentares”, diz Casagrande Pereira. Na prática, porém, os coparlamentares acabam atuando mais nos bastidores em razão das limitações jurídicas. Eles participam do dia a dia nos debates e discussões sobre os temas que o mandato precisa enfrentar.

Mas, se o coparlamentar que representa juridicamente o grupo resolver deixar o cargo, não é um colega do coletivo que assume a vaga, mas o suplente, que pode não ter nenhuma relação com o grupo. “Um coparlamentar não poderia assumir a cadeira em nenhuma hipótese. Ele não existe juridicamente”, diz o especialista. E isso leva à necessidade da confiança na relação entre os membros de um mandato coletivo.

“Acho que o exercício maior de confiança é deles em mim”, diz Mônica. “Porque, se eu quisesse assumir esse mandato e dar um golpe, ir no plenário da posse de minhas ideias, votar como eu quero, eu poderia. Eles não têm ferramentas jurídicas [para contestar o mandato].”

Como funciona?

A escolha de um porta-voz é o passo mais importante antes da formalização da candidatura. É ele que terá sua foto e seu nome na urna e terá posse do mandato caso o grupo seja eleito. No caso da “Mandata Ativista”, Mônica lembra que a opção por ela aconteceu após vários debates e abordando os temas mais importantes para o grupo.

Não poderia, por exemplo, ser um homem porque as mulheres não se sentiriam representadas adequadamente. Não poderia ser uma pessoa de pele branca porque ela não teria legitimidade para falar de racismo. “A única pessoa que interseccionava todas as características era eu”, afirma a codeputada.

O grupo, contudo, não previu como lidar com algumas situações durante o mandato. Por exemplo, três membros pretendem participar da eleição municipal de São Paulo. Como não tinham um estatuto, eles buscaram replicar o que a legislação eleitoral prevê. Assim, os três ficarão licenciados da “Mandata”. Caso percam a eleição, voltam para a Alesp. Se vencerem, serão substituídos por alguém do grupo ativista do qual fazem parte.

“A gente foi criando nossas ferramentas. E a cada novo problema que surge a gente tem que se debruçar, tentar ver alguma forma mais democrática de resolver.”
Mônica Seixas, codeputada estadual pela ‘Mandata Ativista’

Para evitar esses problemas, a “Bancada Sustentável”, que tem Casé Oliveira (PV) como porta-voz, já trabalha na construção de “compromissos” que os cocandidatos deverão seguir caso conquistem uma vaga na Câmara. “O candidato que for eleito está proibido para trabalhar em qualquer outro cargo na prefeitura”, cita Oliveira.

Também está prevista a possibilidade de afastamento e expulsão do mandato caso um dos componentes seja acusado de um crime, “até que haja uma decisão em segunda instância”. “É como se fosse um contrato. É um compromisso que cada um tem que zelar por ele”, conta o porta-voz.

E para decidir em grupo?

Na “Mandata Ativista”, a codeputada Mônica ressalta os debates internos: “A gente nunca concorda com nada”. Se a divergência persiste, eles chamam pessoas de fora, especialistas na área em questão, para ajudar no debate. Por representar um grupo, ela vê a tarefa como um desafio na tribuna. “É muito mais difícil para o porta-voz. Às vezes, eu estou com vontade muito de dizer alguma coisa e não posso.

A figura ‘Mônica da Mandata Ativista’ que as pessoas conhecem não é a Mônica Seixas, é alguma coisa entre os codeputados. Seria um pouco diferente se fosse eu pessoa física.” Apesar da dificuldade em ser o rosto de um coletivo, ela pontua que um mandato dela sozinha não teria o mesmo alcance. “Não seria tão eficiente, tão plural, tão democrático.”

Pensando no processo decisório, o ex-vereador Nabil Bonduki (PT) e seus seis colegas do “+ Direito à Cidade” já estudam como fazer debates, que estarão no regimento interno do grupo. “A nossa intenção é poder ter processos de discussão amplos em que as pessoas podem participar, criando um cadastro, plataformas digitais, fazer um fórum de debate para tomadas de decisão quando o tema for muito polêmico.”

Bonduki já esteve em mandatos sozinho na Câmara paulistana em duas oportunidades. E por que entrar em um coletivo agora? “Não é uma estratégia eleitoral. O fato de ser algo diferente me estimulou a ser candidato. O objetivo é promover uma renovação na maneira de se fazer o trabalho no legislativo”, diz Bonduki, que foi convencido pelos colegas a ser porta-voz do grupo. “Eu não queria ser.”

O salário é um só; e agora?

A remuneração bruta de um vereador paulistano é de cerca de R$ 19 mil mensais. Mas as bancadas coletivas têm mais de uma pessoa. Perguntadas a respeito, a maior parte das pré-candidaturas ouvidas pelo UOL diz que pretende discutir o tema mais a fundo depois que for eleita. Na Alesp, a “Mandata Ativista” optou por utilizar cargos do gabinete que tenham remuneração semelhante para colocar os coparlamentares. A única que ganha mais é a porta-voz, já que Mônica se dedica o dia inteiro às atividades na Assembleia.

Ela, porém, não recebe o salário integral. Junto com os colegas, eles fizeram o “cálculo da vida” da Mônica para que ela pudesse se dedicar exclusivamente ao mandato de deputado. Assim, ela ganha cerca de R$ 4.000 a mais que os outros coparlamentares. “O restante, a gente tem uma conta corrente coletiva, e administra junto”, lembrando que o valor é utilizado para comprar equipamentos para o gabinete e pagar despesas do mandato.

A lei vai mudar?

Atualmente, há uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) na Câmara para implementar o mandato coletivo no Poder Legislativo. Ela está parada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) desde 2017.

Todos ligados a candidaturas coletivas esperam que mudanças sejam implementadas na legislação para dar mais segurança jurídica a esse novo formato de participação na democracia. “Eu não tenho dúvida de que, em algum momento, inclusive, a legislação vigente vai precisar rever de que forma essas candidaturas podem ser adicionadas ao corpo parlamentar para que não só um sente na cadeira, mas que de fato sejam três vereadoras, cinco vereadoras ocupando o mesmo mandato”, diz Jussara, do PSOL.

Confira quais são as pré-candidaturas coletivas na capital paulista: Coletivo Periferia É o Centro (PDT) Periferia Ativa (PDT) #Somosmultiplxs (PDT) União Progressista (PDT) Bancada Ativista Acredite (PDT) Movimento Vozes Negras (PT) Bancada Antifascista (PT) Coletivo + Direito à Cidade (PT) Bancada Hip Hop (PT) Frente Democrática (PT) Bancada da Juventude Trabalhadora (PCB) Bancada do Poder Popular (PCB) Bancada Sustentável (PV) É Coletivo (PSOL) Quilombo Periférico (PSOL) Juntas (PSOL) Bancada Feminista (PSOL) Ganja Coletiva (PSOL) Jaraguá-Guarani (PSOL) DiverCidade (PSOL) Ubuntu Capoeira (PCdoB) Cultura Vive (PCdoB) Bancada Feminista (PCdoB) Coletivo CPQ, Caminho É pela Quebrada.

Fonte: UOL