Um natal diferente

Já ouvi de várias pessoas que 2020 é um ano para ser esquecido. Foi um ano não vivido, não celebrado. Eu já acho que esses 365 dias jamais poderão ser apagados de nossas memórias. Vivê-lo foi, sem sombra de dúvidas, repleto de dores. E até para as pessoas mais otimistas, como eu, é muito difícil encontrar beleza em um tempo suspenso por tantas partidas. Mas reconhecê-lo parece ser o primeiro passo para curar uma dor que não descansa em nós mesmos.

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É por isso que fiz questão de montar minha árvore de Natal antes do tempo. Diante de tanta gravidade, não me pareceu um erro trazer pra mais cedo esse período que me evoca esperança. É preciso “esperançar”, e tudo aquilo que nos ilumine em tempos sombrios é válido. Em mim, uma estratégia foi enfeitar a casa de bolinhas cintilantes, luzinhas e fotos de quem amo e – por segurança – me é saudade.

E por falar em saudade, me sufoca pensar que – de acordo com projeções estatísticas – este ano 90 mil cearenses terão perdido alguém pela Covid-19. Pessoas que foram sequestradas de seus amores – pais, filhos, irmãos, avós, amigos – sem se despedirem. Agora, são fotografias em porta-retratos. Ao contrário de mim, que cultivo saudades que logo serão findadas, a essas pessoas restaram abraços que não poderão acontecer. Não nesta vida. Esperançar, lembro, é preciso!

Assim como as luzes do meu Natal, as vítimas da Covid se apagam num curto espaço de tempo. Escuridões que se agigantam a cada partida. Então, como resistir a esse cenário de tantas ausências? Que força é capaz de nos reerguer e apontar para dias melhores? Como seguir para outros 365 dias por vir sem perspectiva do novo?

Natal de Luz

O que ainda é capaz de fazer brilhar é o amor em movimento. A empatia de quem fez o espírito natalino todo dia. Desde março, quando a pandemia se instalou por aqui, pessoas se dispuseram a cuidar de doentes, a ensinar quem precisava aprender, a repartir com quem carecia de mais. Apesar do distanciamento físico tão alardeado para garantir a continuidade da vida, nos aproximamos como seres humanos para também garantir que a vida pudesse perdurar. Parar e olhar para si e se reconhecer no outro foi uma oportunidade que tivemos enquanto coletivo. Uma forma de resgatar humanidade.

Os profissionais da saúde, grandes protagonistas desse tempo, se depararam com a face mais dura do seu ofício. A morte expôs as fragilidades do sistema e a importância da ciência. Pesquisar e tratar. Muitos tiveram que abandonar suas casas e famílias. Muitos perderam seus companheiros de labuta. Na extenuante jornada de lutar contra essa doença que tira o fôlego, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem foram luz.

Nesta noite, que possamos abrir espaço para o amor e a luz em nossa vida. Que as preces sejam de conforto para aqueles que sofrem suas ausências e que a esperança possa renascer como salvadora de todos nós. Que a lição, de que é possível exercer a solidariedade todos os dias, permaneça como mais um legado do que não podemos deixar de lembrar de 2020.

Texto de Karine Zaranza, originalmente para o Diário do Nordeste