Por Renato Dorgan (*)
As eleições de 2022 estão passando uma sensação, dez meses antes de sua realização, que será a eleição da economia, da inflação, da falta do poder de consumo, grande problema hoje da maioria dos brasileiros de classe B, C e D.
Para os eleitores de classe B, isso se concretiza no endividamento, na distância de se ter uma vida mais tranquila, que permita poupar, planejar o futuro, e usufruir de seu trabalho sob forma de lazer e cultura, para os eleitores de classe C, ela simboliza a angústia constante de se fechar o mês, a redução drástica do poder de consumo e a frustração de se pagar altos impostos e usufruir de um sistema de serviços públicos precário, para os de classe D, a fome, a redução na ingestão de proteínas, a falta de remédios, os cortes de luz, a lenha no lugar do gás de cozinha.
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Sem dúvida a economia, é o grande problema do Brasil hoje, o poder de consumo é o motor do mundo moderno, tudo converge nele, o cidadão que não consome se sente excluído, daí o grande crescimento de Lula nas pesquisas a partir do 2º semestre de 2021, de 20% de intenção a sete meses atrás, Lula chega a mais de 40% no início de 2022, a correlação é simples, o poder de consumo foi corroído pela inflação de coisas básicas x consumia-se mais na era Lula 2003-2010.
O eleitor brasileiro analisa diretamente a comparação de épocas, só existe hoje a polarização entre Lula x Bolsonaro, eleitor é profundamente desinformado em todas as classes, o que sobra é que Lula foi melhor no comparativo de nível de vida, e a escolha é quase automática numa eleição.
Reside um grande engano da esquerda brasileira, ela acredita que a intenção de voto em Lula é uma absolvição de Lula à suas condenações na época da Lava a Jato, o PT não foi absolvido de nada, em qualitativas percebemos que a maioria do eleitor considera Lula e o PT culpados de uma série de desmandos administrativos e casos de corrupção, a ascensão e volta do PT ao ideário eleitoral está na comparação ao Governo Bolsonaro, para os pobres diretamente em relação ao poder de consumo e efeitos da inflação, para a classe média no pavor da postura do presidente ante a epidemia de Covid e os efeitos da política econômica desastrosa do Ministério da Fazenda.
Questões éticas estão mais flexíveis nessa eleição por parte do eleitor principalmente mais pobre, as massas querem comida, enquanto a classe média quer paz (perdida desde a pandemia) e esperança, mesmo essa classe média não sabendo definir o que quer de fato no futuro, se um Estado liberal ou protetor, navegando
entre desejos de ser uma Suécia em alguns momentos, os EUA em outros e até a China.
A falta de informação sobre a terceira via reina nas qualitativas pelo país, candidatos são diferentes demais, com uma comunicação reduzida à uma bolha de seguidores, e aos meios de comunicação, eles não chegam nas massas, sendo assim a polarização é o que sobra, definindo a eleição numa decisão de não deixar Lula ou Bolsonaro vencerem, usando um ou outro de alternativa eleitoral para se vencer o rejeitado.
Porém o combate à corrupção ainda permeia o sonho do eleitor brasileiro, maioria considera todos políticos corruptos, Bolsonaro não quebrou o sistema como era a expectativa da maioria dos seus eleitores em 2018, apenas uma extrema direita, cerca de 15% a 17% o considera honesto de verdade, suas alianças assustam os mais informados, a volta de Lula ao mesmo tempo que traz um alívio quase estomacal pros seus eleitores, é acompanhada de uma certeza que a corrupção voltará em maior grau com sua vitória, isso se constata em quase metade de sua intenção de voto (cerca de 50% dos seus 40% a 45% de intenção de voto acreditam que Lula é corrupto).
Mais um erro da esquerda é acreditar que o povo condenará a operação lava a jato, mais de 70% dos eleitores em pesquisas quantitativas aprovam a operação, a prisão de políticos, executivos públicos e donos de empreiteira, são um marco respeitado pela maioria do eleitor brasileiro, se tentarem desconstruir isso, inclusive com a exposição de seu maior líder, o presidenciável Sérgio Moro, poderá se criar um fato perigoso, que pode se reverter contra Lula, e transformar uma eleição que até agora é apenas anti-Bolsonaro, numa eleição também anti-Lula.
Porém de forma pragmática, o combate a corrupção per si, não coloca comida no prato do brasileiro, nem abaixa sua conta de luz, ao menos lhe gera o emprego sonhado, a redução da discussão em apenas combate a corrupção agrada parte da classe média, mas não define o voto dos mais pobres, e eleições presidenciais não se vencem na classe média no Brasil, como se vence o Governo de SP, eleições nacionais se vencem nas classes C e D.
A corrupção ainda tem grande espaço na discussão nacional, o brasileiro percebe cada vez mais que a falta de serviços públicos de qualidade em grande parte reside na falta desse combate, quanto mais sobe o nível de instrução do eleitor mais se constata isso.
Porém de uma frente ampla de combate a corrupção que se viu em 2018, ela se reduz em 2022 a poucos interlocutores eleitorais, o bolsonarismo perdeu esse discurso, e optou pela bandeira de costumes e religiosidade, preferiu fidelizar sua extrema direita de 15% a conquistar seus 55% de votos do 2º turno de 2018, tenta recuperar algo com suas alianças políticas se consolidando como única opção viável contra Lula, planeja conquistar mais uns 15% de eleitores anti-Lula que se dividem em candidatos da 3ª via, e nos quase 40% de indecisos (espontânea) nas mesmas quantitativas.
Claramente a sobrevivência da 3ª via está com dias contados, mas ela existe ainda, se tiver uma união entre parte dos players em torno do discurso do combate a corrupção, com alternativas de melhoria econômica prática e não teórica, como queda no preço dos alimentos, energia e gás, e geração de emprego, a eleição assim não se definirá cedo como deseja lulistas e bolsonaristas. Porém se isso não acontecer a tempo, e a união da polarização (Lula e Bolsonaro) ocorrer nos bastidores para destruir as alternativas de 3ª via com eficácia, a eleição se definirá cedo entre Lula e Bolsonaro, numa eleição muito mais de voto útil do que de uma escolha real.
Por enquanto o futuro não surgiu, e o que existe é a discussão entre presente e passado, o que deixa maioria do eleitor desesperançoso, e isso constato semanalmente em pesquisas qualitativas.
O futuro é algo que nunca ocorreu na política, e o combate a corrupção no Brasil, permeia esse sonho. Talvez não chegue dessa vez.
(*) Renato Dorgan é é especialista em pesquisas qualitativas e quantitativas, tem MBA em marketing político e participa de eleições majoritárias por todo o país há mais de 20 anos, atuando nas áreas de pesquisa, estratégia política, marketing eleitoral e governamental. É também advogado e membro fundador do CAMP.
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