Eleições presidenciais e a abstenção eleitoral dos militares brasileiros

*Por Richard Campanari

Nas últimas eleições, a taxa de abstenção eleitoral brasileira vem crescendo de forma alarmante. Muitas pessoas, desiludidas com a política, desistem de votar e contribuir para a escolha dos seus representantes. Alguns o fazem por alienação. Outros por anarquismo ou até niilismo. Mas, há aqueles que o fazem por não terem outra opção e esse parece ser o caso dos integrantes das forças de segurança pública do Brasil, militares das Forças Armadas, policiais militares e policiais federais.

A Lei 13.165 criou um artigo no Código Eleitoral que, embora essencial para reduzir a abstenção eleitoral no Brasil, continua desconsiderado por muitos partidos. Trata-se do artigo 233-A, que disciplina o voto em trânsito.

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O Brasil conta com a segunda maior força militar das Américas, atrás apenas dos Estados Unidos. Segundo a Global Firepower, o Brasil possui 360 mil militares ativos nas forças armadas. Apenas no Exército, segundo dados apurados em 2022, são mais de 200 mil homens.

Se consideramos as polícias militares estaduais, os números impressionam ainda mais. Segundo pesquisa no Perfil das Instituições de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o efetivo é superior a 385 mil homens. Somados à Polícia Federal (13.854 policiais), Polícia Rodoviária Federal (12.356 policiais) e polícias civis (94,4 mil policiais), a segurança pública brasileira alcança um número de profissionais próximo a 850 mil homens.

O que há de comum entre esses números é que, na maior parte das vezes, aqueles que estiverem escalados para trabalhar na semana das eleições estarão longe do seu domicílio eleitoral, inviabilizando o seu voto e os forçando à abstenção eleitoral.

Isso significa que o resultado eleitoral para o pleito de 2022 pode sofrer um prejuízo de meio milhão de votos, se metade desse contingente estiver escalado para trabalhar fora do seu domicílio eleitoral no dia das eleições.

Qual seria a solução?

A solução, esquecida pelos partidos, é aquela proposta pelo artigo 233-A do Código Eleitoral, que prevê o seguinte:

“Art. 233-A. Aos eleitores em trânsito no território nacional é assegurado o direito de votar para Presidente da República, Governador, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital em urnas especialmente instaladas nas capitais e nos Municípios com mais de cem mil eleitores.

§ 2º. Os membros das Forças Armadas, os integrantes dos órgãos de segurança pública a que se refere o art. 144 da Constituição Federal, bem como os integrantes das guardas municipais mencionados no § 8º do mesmo art. 144, poderão votar em trânsito se estiverem em serviço por ocasião das eleições.”

Quais são os requisitos?

Esse é um direito que exige organização prévia. Para que esses profissionais possam votar fora de seu domicílio eleitoral, o comando ao qual eles se encontram subordinados deve, no prazo improrrogável de 45 dias antes das eleições, ou seja, até 17 de agosto de 2022, enviar à Justiça Eleitoral a escala com o local onde cada um desses militares estará na data do pleito, de forma que eles possam ser cadastrados nas urnas em trânsito, que serão configuradas pelos tribunais eleitorais para receber esses votos.

Isso é o que prevê o artigo 233-A, § 3º, do Código Eleitoral, vejamos:

“§ 3º. As chefias ou comandos dos órgãos a que estiverem subordinados os eleitores mencionados no § 2º enviarão obrigatoriamente à Justiça Eleitoral, em até quarenta e cinco dias da data das eleições, a listagem dos que estarão em serviço no dia da eleição com indicação das seções eleitorais de origem e destino.”

Os comandos das forças de segurança podem garantir uma votação de ao menos 500 mil integrantes, acaso direcionem esforços para o cumprimento desse direito. E, vale lembrar, essa ação não viola qualquer legislação eleitoral, uma vez que o direito ao voto tem previsão constitucional e, nesse caso, quando pertencente aos militares, em razão das especificidades de atuação dessa categoria, encontra-se regulamentado no Código Eleitoral para que seja viabilizado.

Importante saber se haverá alguma movimentação dos interessados nesse sentido. A lei está aí, esperando por ser utilizada — a simples contemplação da situação pode ser um luxo que a democracia brasileira não tem.

 


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 11 jun. 2022.

GLOBAL FIREPOWER – “Portal especializado em informação sobre contingentes, números e estatísticas dos exércitos mundiais”. Disponível em: https://www.globalfirepower.com/. Acesso em: 11 jun. 2022.

Ministério da Justiça e Segurança Pública – “Perfil das Instituições de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública”. Disponível em:
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMDc0ZWFjYTgtYjA1OS00YzBmLWJkNTctZmVjODM2YzlmYzBjIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em: 11 jun. 2022.

 

*Richard Campanari é advogado e consultor especializado em Direito Eleitoral, Público, Empresarial e Civil, sócio fundador do escritório Campanari, Gerhardt & Silva Andrade, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), membro do Instituto Catarinense de Direito Eleitoral (Icade), membro do Instituto de Águas do Brasil (IAB) e ex-secretário-geral adjunto do Instituto de Direito Eleitoral do Estado de Rondônia (Idero).

Artigo originalmente escrito para o site CONJUR.

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