População não confia no Congresso, mas é ele o maior garantidor da democracia brasileira

Por Bruno Soller*

Se há uma máxima repetida em qualquer ambientação feita em grupos de foco qualitativos e muito reforçada após a experiência do governo Bolsonaro é a de que o presidente não consegue fazer nada do que planeja porque precisa da aprovação dos “poderosos”. Com bastante dificuldade em entender o tramite da lógica de Montesquieu, o ideólogo dos Três Poderes, o brasileiro em sua maioria se frustra com um certo engessamento que a relação entre Executivo e Legislativo provoca, mas paradoxalmente invoca, sempre em que a situação lhe parece adversa, por um Congresso mais independente e que consiga conter as investidas de um presidente.

Com baixíssima confiança dos eleitores, sendo a décima nona pior instituição em vinte avaliadas, pelo instituto de pesquisa Ipec, há três meses, o Congresso Nacional sofre com uma imagem desgastada para a maioria da população. Em levantamento feito pelo RealTime Big Data para a RecordTV, 65% dos brasileiros acreditam que os congressistas estão mais preocupados com seus interesses próprios do que com os da população, em geral. Outro dado da mesma pesquisa aponta que 72% enxergam que os parlamentares não conhecem a realidade das pessoas.

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Essa insatisfação pode ser demonstrada pelo alto índice de mudança eleitoral da Câmara dos Deputados a cada pleito. Para se fazer um comparativo, a média de renovação das últimas seis contendas brasileiras foi de 45%, quase o triplo da média norte-americana. A relação entre a população e os deputados também é muito efêmera, já que, segundo o instituto Datafolha, mais de 60% das pessoas não lembram em quem votaram na última eleição para deputado ou senador.

Ao passo em que se busca muitas mudanças nesse vínculo, a dinâmica do poder é completamente distinta e mostra uma perenidade, que reforça a ideia expressa pelas pessoas do alto poder que o Legislativo brasileiro possui. Após uma eleição absolutamente dividida, com uma vitória bastante estreita de Lula sobre Bolsonaro e com uma nova leva de congressistas eleitos, o que não alterou foi o comando das duas casas parlamentares. Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, que havia sido eleito com o apoio do ex-presidente Bolsonaro e sua base de sustentação, foi reconduzido ao cargo, contando com a aprovação de Lula e seus apoiadores. O mesmo ocorreu com Rodrigo Pacheco, no Senado.

Como ilustração dessa constância vale a pena rememorar a atuação do ex-senador Romero Jucá, de Roraima, que chegou a ser líder dos governos Lula, Dilma e Michel Temer e vice-líder do governo Fernando Henrique Cardoso, de quem foi também ministro de Estado. Os próprios partidos já contribuem para que as acomodações no Congresso permitam uma governabilidade, mas que é controlada pela força do Legislativo. O PP e o Republicanos, que apoiaram formalmente a candidatura de Jair Bolsonaro, acabaram de ter filiados parlamentares indicados ao corpo ministerial de Lula.

Na teoria das Relações Internacionais há um entendimento que para uma política de Estado é fundamental que haja uma constância do funcionalismo para que os rumos de um país no cenário internacional não sejam afetados pelas intempéries de um governo. Para isso se defende a carreira diplomática concursada. Na democracia, parece que não com a mesma ideia preconcebida, mas pela práxis, o modelo segue em voga. O Congresso Nacional virou um garantidor de continuidades, independentemente do governo estabelecido, conseguindo mostrar uma força de agenda, que a maturação democrática impôs.

As mais drásticas mudanças de rumo na política nacional, entretanto, foram comandadas pelo Congresso, mostrando definitivamente de que quem controla o ritmo político do país é esse poder. Em menos de 40 anos de regime democrático, o Brasil experimentou dois processos de impeachment, coordenados pelo parlamento e a solidez das instituições, que, independentemente de críticas, se mostra rija e manteve o natural cursos de águas da vida republicana.

Rejeitado pela população em plebiscito, o parlamentarismo volta e meia chega a ser discutido no país, como uma certa alternativa para que novos rumos pudessem ser adotados. Sua aceitação na sociedade é muito pequena e pouco tangível. Contudo, por mais que em teoria ele não se aplica, na prática, ele acaba sendo quase que imposto.

O fortalecimento do Legislativo e o enfraquecimento do Executivo levou a uma situação interessante no Brasil, que foi a ascensão política do Judiciário. O terceiro poder que veio como um pêndulo fiscalizatório do crescimento contumaz do legislativo. Não obstante, muitas críticas ao modelo brasileiro surgem em decorrência de um poder exercer funções que era para ser de outro. Como em um sistema de roldanas, a política vai se equilibrando carregando pesos que se deslocam conforme a realidade imposta.

Essa participação maior do judiciário, fez com que esse poder começasse a ser discutido pelos brasileiros e avaliado. Em recente, declaração, o presidente Lula sugeriu, inclusive, que os votos dos ministros do STF deveriam ser secretos. Vale destacar que o Brasil é mais avançado que a maioria dos países do mundo nesse accountability judiciário. São raras as nações em que sessões do Supremo Tribunal Federal são transmitidas em TV Aberta.

O brasileiro está aprendendo a viver com a democracia, que ainda é muito jovem no país. Em pesquisa realizada pelo DataSenado, 73% dos entrevistados dizem que é a melhor forma de governo para o Brasil. Um número caldoso, mas que contrapõe aos apenas 18% que estão muito satisfeitos com esse regime. A maturação e a constância fazem com que grandes mudanças sejam difíceis de ocorrer. O Congresso Nacional parece manobrar um transatlântico, pesado, lento e difícil alteração de rota. Se por um lado há dificuldades em agilizá-lo, por outro, há que se comemorar que sua robustez não o permite que naufrague.

*Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

Artigo originalmente escrito para o blog “De Dados em Dados“, do Estadão.
Para ler o artigo original, clique AQUI.

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