A estratégia do PT para recuperar relevância na disputa municipal agora que voltou ao poder

Por Bruno Soller*

Partido busca se reorganizar para não repetir o fiasco da última eleição, seja buscando candidaturas de aliados que estão em outros partidos pelo país, seja lançando nomes próprios na região em que Lula tem maior apoio popular.

Com o aumento da pessoalidade na escolha do eleitor, motivado por um sistema eleitoral que favorece esse tipo de comportamento, seja pelo presidencialismo ou pela lista pós ordenada no pleito proporcional, os partidos políticos têm sofrido com a falta de fidelização de eleitores. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto da Democracia, no final do ano passado, apenas 1 de cada 5 entrevistados dizem ter simpatia por um partido político. Nesse universo de respondentes, no entanto, chama a atenção a hegemonia do Partido dos Trabalhadores, que possui 65% desses que dizem ter preferência partidária. Mesmo com essa organicidade, é curioso ver o fraquíssimo desempenho do partido nas grandes cidades brasileiras, quando o assunto é o voto local.

Nas eleições municipais de 2020, o PT não conseguiu eleger sequer um prefeito de capital. O partido lançou candidaturas próprias em 21 das 26 capitais em disputa e conseguiu apenas ir ao segundo turno em duas cidades: Recife, com Marília Arraes, que acabou derrotada em uma disputa familiar pelo seu primo João Campos (PSB), e Vitória, com João Coser, vencido por Lorenzo Pazolini (Republicanos). Em algumas cidades, o desempenho foi sofrível. Em Curitiba, Paulo Opuszka fez 2% dos votos, mesmo número de Nilmário Miranda, em Belo Horizonte e Ricardo Barbosa, em Maceió. Professor Marcos, em Macapá e Anísio Maia, em João Pessoa, tiveram desempenhos ainda mais vexatórios, atingindo 1% dos votos. Daniel Zen, em Rio Branco, Ramon Cujuí, em Porto Velho, Vilela, em Palmas e Julier, em Cuiabá, completam o pódio dos que nem mesmo atingiram 5% ao final do pleito.

Em cidades em que o PT tem boa tradição, como São Paulo, onde elegeu por três vezes o prefeito, em 1988 com Luiza Erundina, 2000, com Marta Suplicy e 2012, com Fernando Haddad, o candidato escolhido, Jilmar Tatto, terminou com 8,6% dos votos. A ex-governadora do Rio de Janeiro Benedita da Silva foi ligeiramente melhor na capital fluminense, mas terminou com um pouco mais que 11%. Em Fortaleza, a ex-prefeita Luizianne Lins fez 18% dos votos, em um Estado governado pelo PT, mas que o governador pouco apoiou sua candidatura. Na Bahia, no Rio Grande do Norte e no Piauí, também de governadores petistas, o partido viu Major Denice ser derrotada ainda em primeiro turno, em Salvador, Jean Prates, em Natal, e Fábio Novo, em Teresina.

Com muita rejeição desde os escândalos que atingiram a alta cúpula partidária e culminaram na prisão de três tesoureiros do partido, Paulo Ferreira, Delúbio Soares e João Vaccari Neto, além de figuras proeminentes como José Dirceu e José Genoino, o PT buscou se desassociar da sua maior estrela, o presidente Lula. O lulismo superou o petismo em apelo popular e a rejeição do partido fez com que uma máxima fosse repetida em grupos qualitativos e que atingiu muitos dos postulantes: “é um bom candidato, mas o partido não dá.” Esse pensamento fez com que alguns candidatos migrassem para partidos com menor rejeição na busca por um lugar ao sol.

De volta ao comando do País, o PT busca se reorganizar para não repetir o fiasco da última eleição. Para isso, busca em candidaturas de aliados que estão em outros partidos retomar espaços com a indicação de vices. O caso mais emblemático se dá em São Paulo, onde o partido conseguiu repatriar Marta Suplicy para ser a companheira de chapa de Guilherme Boulos, do PSOL. Essa construção está em andamento em outras cidades, como no Rio de Janeiro, com Eduardo Paes (PSD), em Salvador, com Geraldo Júnior (MDB), e em Recife, com João Campos (PSB). Além disso, há uma expectativa em lançamentos próprios, principalmente no Nordeste, onde Lula tem grande apelo popular e pode ser um importante cabo eleitoral.

Em Fortaleza, depois do rompimento entre Camilo Santana e Ciro Gomes, o partido deve indicar Evandro Leitão, presidente da Assembleia Legislativa, que surge com grandes possibilidades, em função de uma gestão mal avaliada do atual prefeito José Sarto (PDT). De acordo com levantamento da Atlas Intel, Sarto só possui 25% de aprovação, sendo o quarto prefeito de capital mais rejeitado, em ranking elaborado pela empresa. Voltar a governar Fortaleza, a quarta maior cidade do Brasil e a maior capital nordestina, seria uma vitória importante para o partido. Luizianne Lins e Maria Luiza Fontenele já exerceram o posto outrora filiadas à agremiação.

Na capital sergipana, uma disputa interna está para decidir quem será o candidato do partido, que teve em Marcelo Deda o grande nome no Estado. Sua viúva, Eliane Aquino, é o nome que melhor pontua nos levantamentos internos do partido. O senador Rogério Carvalho, que conseguiu a proeza de ser o único candidato petista a governo no Nordeste que não se elegeu com o apoio de Lula, em 2022, tenta forçar a candidatura de sua esposa, Candisse Carvalho, que não alcança nem mesmo 1% das intenções de voto, segundo pesquisa do Instituto França. Rogério lidera os índices de rejeição na pesquisa e, em grupos de foco, são apontadas as denúncias de corrupção de quando foi secretário de saúde para explicar sua antipatia junto ao eleitorado.

Deputado estadual e com o apoio do governador Rafael Fonteles, Fábio Novo tenta apagar a sua frustrada última tentativa em ser prefeito de Teresina e, junto de Lula e do ex-governador e, agora, ministro Wellington Dias, faz um trabalho que tem surtido algum efeito nas projeções para outubro. De acordo com o Datamax, Fábio já incomoda Silvio Mendes, ex-prefeito, que lidera a corrida. A altíssima aprovação do governador no município, ultrapassando os 85%, são o esteio para que a história tenha um outro sabor para o deputado. Já em Natal, o apoio da governadora potiguar Fátima Bezerra pode prejudicar a jovem deputada Natália Bonavides, que enfrentará o ex-prefeito Carlos Eduardo Alves (PSD), que lidera em todas as pesquisas publicadas para saber quem sentará na cadeira de prefeito, no Palácio Felipe Camarão.

O desafio petista é conseguir retomar uma associação direta com Lula. No segundo turno de 2022, Lula venceu Bolsonaro em 11 das 27 capitais. Esse número mostra a superioridade de avaliação que o lulismo tem em relação ao partido. A oxigenação do PT passa por enxergar novos quadros que não carreguem as amarras ideológicas do passado e consigam se antenar com as pautas modernas, não só identitárias, mas econômicas e urbanas. Em Portugal, o Partido Socialista conseguiu certa estabilidade com Antonio Costa, quando da época da “geringonça”. Uma união de partidos de esquerda que conseguiu superar entraves importantes com a direita para manter a governabilidade do país. Concessões principalmente no campo econômico foram fundamentais para dar uma nova cara à esquerda portuguesa, que estava contaminada com os episódios que envolveram o antigo primeiro ministro José Sócrates, que foi um importante aliado de Lula.

Escorar-se eternamente na figura de Lula pode não ser suficiente para o futuro do partido. Os movimentos passam por uma reaproximação de imagens, aproveitando-se do momento, mas de uma construção de uma nova identidade. O PT, caso queira continuar grande, precisará desde já discutir o pós-lulismo. Seu principal adversário desde a redemocratização, o PSDB está vivendo na pele o fardo de não ter se preparado e posicionado para o futuro. Tem buscado na figura de importantes líderes, como Marconi Perillo, o resgate da história partidária, que tem trabalhado para apaziguar ânimos derrotados, mas olhando para um novo modelo de social democracia, que caiba no mundo de amanhã. Como dizia o positivista francês Auguste Comte: “o tempo corresponde a regular o presente a partir do futuro deduzido do passado.”

*Bruno Soller é estrategista eleitoral. Especializado em pesquisas de opinião pública, é graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, com especialização em Comunicação Política pela George Washington University. Trabalhou no governo federal, Câmara dos Deputados e Comissão Europeia.

Artigo originalmente escrito para o blog “De Dados em Dados“, do Estadão.
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