Bolsonaro e o voo da Fênix – Parte II: análise de liderança política

Por Charlles D’Angelus

Muitos experts em política descrevem como um líder aquele que conduz um grupo de pessoas influenciando seus comportamentos e ações, buscando atingir objetivos e metas de interesse comum, tanto para seu grupo quanto para a sociedade, em concordância com uma visão fundamentada em ideais.

Eu acredito que para ser um líder político não é preciso estar no primeiro escalão da política, ser o número um do partido, ou hierarquicamente importante dentro de uma casa legislativa ou em alguma cadeira do executivo. A influência exercida sobre outras pessoas estimulando o entusiasmo, o empenho e a disposição para se tornarem o melhor que podem ser é aquilo que se espera, na minha visão, de uma verdadeira liderança política.

Para uma forte liderança política que realmente marque as pessoas, podemos considerar sete características pessoais que considero fundamentais para que elas possam crescer e conquistar cada vez mais espaço com o eleitorado, que são: credibilidade, coragem, humildade, criatividade, integridade, perseverança e bem-estar. Vou listar cada uma das sete ao mesmo tempo em que analiso a sua aplicação no que observei do comportamento do presidente na reunião ministerial divulgada pelo STF na última sexta (22 de maio de 2022), considerando também acontecimentos de sua trajetória.

Nesse ponto, nosso intuito é avaliar o perfil de liderança e quais os gatilhos mentais que percebemos que ele utiliza para conversar com seu público. Não queremos trazer aqui apenas uma visão pessoal ou uma análise contaminada de paixão e ideologia.

Principalmente para aqueles que pensam em se candidatar nas próximas eleições é fundamental que aprendam a ler diversos modelos de liderança ao mesmo tempo em que aprendam a ler a si mesmos para descobrir seus propósitos, alinhar seus discursos e suas estratégias criando seus alicerces próprios. Para cada característica fundamental fizemos um breve embasamento conceitual, comentamos cada assunto em relação à liderança do presidente Bolsonaro e definimos uma nota de 0 a 10.

  1. Credibilidade

 É a capacidade de assumir a responsabilidade por seus atos. Não se deve ter medo de medir seu desempenho e nem de apresentar resultados insatisfatórios, é um referencial do desempenho do líder.

Quando iniciou sua trajetória quase que solitária, Bolsonaro ganhou apoio de uma multidão de pessoas com sua forte oposição ao lulismo, ao petismo e ao comunismo,  em um, se assim podemos chamar, “panbrasileirismo”.  Bolsonaro uniu toda a centro-direita, direita e extrema-direita contra tudo o que era de esquerda. Com seu carisma forte e muitas estratégias digitais, atraiu multidões em seus discursos e caminhadas por onde passava. Bolsonaro utilizou magnetismo pessoal e seu entendimento da psicologia militar para engajar-se com o público durante seus discursos. Sua forma de falar tentando se descolar daquele jeito político de ser de Brasília, causava quase um efeito hipnótico em sua oratória. Assim, Bolsonaro assumia sozinho total responsabilidade sobre seus atos e garantia credibilidade frente a uma boa parcela da população brasileira. Por esse motivo aqui poderíamos de 0 a 10, dar uma nota 8 no quesito credibilidade.

  1. Coragem

 É a força mental e moral para se arriscar, perseverar e suportar o perigo, o medo e a dificuldade com firmeza de propósito. É a coragem que permite ao líder correr riscos, buscar oportunidades, desenvolver novas habilidades, ajudando as pessoas a melhorar, independente de recompensas e reconhecimento.

Acredito que politicamente, como alguém que possui uma filosofia e ideologia própria (mais uma vez aqui sem julgar o certo ou o errado), foram inúmeros os atos de coragem de Bolsonaro pela ótica política. Entre os seus principais atos de coragem e capacidade de correr riscos podemos destacar a sua bandeira de ex-capitão do exército, que gera o gatilho de amor à pátria, um gatilho potente. Além disso, Bolsonaro foi corajoso ao promover suas crenças, por mais radicais que algumas delas fossem como o discurso de “bandido bom é bandido morto”. Outros dois atos nesta esfera se destacam: o enfrentamento a parlamentares de esquerda de maneira muitas vezes a comprometer o decoro parlamentar e o enfrentamento ao grupo de comunicação Globo, que é um dos grandes poderes do país.

A sua nota para esse quesito de 0 a 10 será 9, pelo simples fato que é impossível ainda saber como irá se comportar na sua coragem mental até o final do mandato.

  1. Humildade

Essa é uma das características que define os melhores líderes, pois eles entendem que são tão somente servos daqueles que o seguem. Caso o líder pense que sabe todas as respostas ou comanda de uma posição superior, ele não trabalha pelos interesses daqueles à sua volta.

Longe de agir como irmã Dulce ou Madre Teresa de Calcutá. Diria que a característica da humildade em Bolsonaro seria 0 se não fosse por um detalhe muito importante, Bolsonaro sempre discursou que não sabia nada de economia e que não precisava saber de tudo. Por outro lado, Bolsonaro utilizou-se muitas vezes de intrigas de seus oponentes, do seu poder de persuasão e da manipulação muitas vezes de mensagens para conquistar seguidores. Por falta de empatia com os eleitores de esquerda e sua forma de se comunicar com a imprensa, apesar de ser uma das estratégias que o ajudou a chegar ao poder, diria que hoje é deprimente e por isso sua nota nesse quesito de 0 a 10, eu daria uma nota 4.

  1. Criatividade

Acredito ser essa a característica mais importante em um líder, a habilidade de ver novas possibilidades e o futuro que ainda não existe, a busca constante de novas soluções, aplicando-as de modo a permitir que as pessoas criem uma visão compartilhada, aprendam tarefas novas e descubram a importância de considerar um trajeto novo.

Bolsonaro tem a habilidade de criar teorias da conspiração e alimentar sua ala mais radical e sua criatividade na capacidade de gerar crise me parece interminável. No entanto, é preciso apontar que alguns analistas lembram que Bolsonaro, no início, nadou sozinho contra a maré quando poucos acreditavam nele, inclusive seus amigos parlamentares mais próximos. Bolsonaro articulou cada passo em direção à faixa presidencial e soube se utilizar da crise política, a partir dos protestos de junho de 2013 e que atingiram em cheio o Brasil, para se consolidar como um novo líder, uma nova voz na política. Essa nova voz nasceu em cima de várias estratégias criativas, com vários gatilhos mentais e lapidando várias características de sua liderança. De 0 a 10, nota 6 para sua criatividade, porque ainda precisa crescer muito nesse quesito para conquistar a calmaria política, coisa que é possível com as ferramentas corretas, de forma ética e perene.

  1. Integridade

É a habilidade de discernir entre o certo e o errado, comprometendo-se com o caminho que acredita ser o correto.

Bolsonaro sabe o que é o certo e o que é errado na política na questão da administração dos recursos públicos. No entanto, na minha visão, até agora ele não foi capaz de discernir entre o que é bom e o que é mau. Sua concepção de certo e errado, de bom e mau, são a mesma coisa. Seu conceito de bem e de mal está atrelado aos de anticomunismo, de “panbrasileirismo” e, para Bolsonaro não só a ideologia de esquerda (aqueles que defendem e vestem essa camisa ideológica) são seus inimigos implacáveis, mas aquelas pessoas que votaram por algum motivo na esquerda também são seus inimigos e devem ser derrotados, bem como outros grupos como homossexuais, artistas, sindicalistas, vistos por Bolsonaro e seu grupo como agentes socialistas e comunistas. Inúmeros fatos, discursos e atos a meu ver nesse quesito, comprovam a sua falta de integridade (que não é a mesma coisa que desonestidade), por esse motivo, sua nota de 0 a 10, eu daria 4.

  1. Perseverança

É a insistência e persistência, em realizar uma tarefa, atingir um objetivo, manter-se no caminho apesar das dificuldades e das resistências.

Começo nesse quesito já dando a nota 9 para Bolsonaro, pelo fato de sua persistência em consolidar a estratégia do seu discurso tendo como bandeiras Deus, família, liberdade de expressão, livre mercado e armamento. Como se tivesse um megafone na mão saiu e rodou o Brasil em voos comerciais, quase sozinho, persistindo como um lobo solitário ancorado nos gatilhos de semelhança histórica, comunidade, autoridade e antecipação que proporcionaram uma profunda empatia com seu eleitorado. Um dos principais fatos, e mais marcantes na sua trajetória até o Planalto, é que mesmo depois de ter sido esfaqueado, Bolsonaro continua em movimento, seja nas redes sociais, seja nas ruas, sem diminuir em nada sua fome de interação desde a campanha.

  1. Bem-estar

É a habilidade do líder em manter uma vida saudável  e  equilibrada. Através de seu exemplo de  vida,  o  líder  demonstra à  equipe  a  importância  de  se manter sempre pronto para assumir novos desafios.

Bolsonaro sempre demonstrou certa preocupação em manter uma vida saudável e equilibrada, antes mesmo da campanha, aparecia com fotos em academia, fazendo corridas na praia, andando de lanchas. Na campanha chegou a fazer flexões de braço com o então candidato ao governo de São Paulo, João Doria. Bolsonaro sempre falou da sua condição de atleta no exército e como presidente faz exercícios diários como corrida, esportes aquáticos e nunca foi pego em fotos fazendo ingestão de álcool, usando cachimbo ou cigarros. Diante disto, a nota de Bolsonaro em relação a essa característica é 10.

Considerando essas análises e levando em conta alguns pontos de minha reflexão, um líder político eficaz necessitaria de um patamar em torno de 70% de pontuação. Assim, é possível concluir que Bolsonaro possui um alto padrão de liderança, quer seus desafetos políticos aceitem publicamente ou não.

Escrever e checar

E você, caro leitor, líder político, pré-candidato, profissional de consultoria política e comunicação ou apenas um eleitor bem informado, já fez a sua autoavaliação de liderança? Escreva algumas linhas sobre o seu desempenho atual em cada uma das sete características, dê a si mesmo notas de 0 a 10 e anote o vai fazer para aprimorar o seu desempenho em cada um dos itens. Daqui a algumas semanas releia o que escreveu e avalie o seu progresso. O líder, seja na política ou em qualquer área, nunca está 100% “pronto e acabado”.

Peter Drucker disse certa vez que grandes gênios da humanidade, como Leonardo da Vinci, tinham o hábito de escrever avaliações sobre si e listar tarefas. Algum tempo depois checavam os seus resultados. Então não vamos mais esquecer essas duas palavras: escrever e checar.

(*) Charlles d´Angelus é HEAD e CMO da D´Angelus Business and Life, Coach Político e Especialista em Mobilização e Treinamento. Escreve com regularidade no Eleições Brasil.  [email protected]

 

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