“Que só eu que podia
Dentro da tua orelha fria
Dizer segredos de liquidificador”
“Codinome Beija-Flor” – Cazuza, Ezequiel Neves e Reinaldo Arias
O jornalista Felipe Recondo e o jornalista e advogado Luiz Weber investigam, no livro “Os Onze – O STF, seus bastidores e suas crises” (Companhia das Letras, 2019), os bastidores de decisões e indicações de ministros do Supremo Tribunal Federal ao longo de 12 anos (2007 a 2019). Com uma sólida construção a partir de cerca de 200 entrevistas realizadas com ministros e ex-ministros da Corte, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), advogados públicos e privados, juízes, membros do Ministério Público, ministros e ex-ministros de Estado e professores de Direito, o livro merece ser avaliado devido ao encaminhamento de decisões com impactos eleitorais.
E não se trata de impactos quaisquer: ao longo de suas 337 páginas, os autores se debruçam sobre processos que tiveram desdobramentos nas duas eleições de Dilma Rousseff (PT) à Presidência da República (2010 e 2014), bem como na de Jair Bolsonaro (então do PSL) em 2018.
Por meio de capítulos didáticos, ora são avaliados julgamentos de temas específicos, como o do Mensalão, referente ao primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – 2003/2006 –, ora são expostos os processos de construção de candidaturas ao Supremo e de como se dão as relações internas entre os ministros.
Ao longo de mais de uma década, é possível se perceber, a partir da leitura de “Os Onze”, que os embates em julgamentos sobre temas de comportamento (como aborto, união civil entre pessoas do mesmo sexo e utilização de células-tronco pra pesquisas) repercutiram para além dos muros do Supremo. Reflexo de uma sociedade que passou de majoritariamente liberal nos costumes (e, assim, concedeu sucessivos mandatos ao PT no Governo Federal) a conservadora (ao eleger Bolsonaro e dar-lhe sustentação posteriormente). E, mais recentemente, com segmentos abertamente hostis ao STF enquanto instituição, com desdobramentos que testemunhamos até agora.
O livro trata, no entanto, de temas mais diretamente relacionados ao processo eleitoral, como a decisão do Supremo que assegurou aos partidos serem detentores de mandatos parlamentares – deixando livres, no entanto, aqueles que ingressassem em uma nova sigla. Como efeito colateral, diversos outros partidos surgiram no período analisado, tornando mais caótica a cena pública eleitoral.
Heróis e vilões
É inegável que a leitura envolverá de maneira irregular a quem se dispuser a mergulhar em “Os Onze”, a depender da simpatia ou antipatia que o(a) leitor(a) nutre pelos ministros. Posicionados como antagonistas, o ex-ministro Joaquim Barbosa e o atual Gilmar Mendes dividem o ringue quando a narrativa se debruça sobre o julgamento do Mensalão. Já Marco Aurélio Mello surge como autêntico “estranho no ninho” (royalties para a tradução nacional do clássico de 1975 dirigido por Milos Forman e estrelado por Jack Nicholson) durante quase toda a obra, ao atuar de forma dissonante dos pares não apenas em plenário, mas fora dele (da leitura, é possível se deduzir que Marco Aurélio tenha falado menos aos autores que os demais, sendo seu perfil exposto muito mais a partir do que dizem sobre ele e dos seus posicionamentos públicos).
Ao investigar momentos anteriores e posteriores à chegada ao STF, Recondo e Weber constroem narrativas notáveis sobre Edson Fachin e Luís Roberto Barroso (atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE). A transição de Barroso, inicialmente advogado que atuava no âmbito da Corte, é especialmente bem delineada e nos ajuda a compreender, em muito, o comportamento do atual comandante da Justiça Eleitoral (dentro dos Tribunais ou nas suas já célebres entrevistas à imprensa).
Nesse majoritário universo masculino, há também espaço para avaliações sobre o comportamento das mulheres que chegaram aos almejados postos de ministras do Supremo. Nesse particular, para a discrição de Rosa Weber, protagonista involuntária da decisão que manteve o ex-presidente Lula preso em 2018, pelo apertado placar de 6×5 (e que, portanto, o impossibilitou de concorrer às eleições presidenciais), o livro revela uma fria Cármen Lúcia num momento decisivo, gerando irritação em grande parte dos demais colegas.
Com alianças pontuais (amparadas no sempre citado “princípio da colegialidade”), desavenças momentâneas (mas barulhentas) e recomposições quando a situação assim requer, “Os Onze” trata ainda dos efeitos das decisões monocráticas sobre temas variados no Brasil. Longe de se posicionar como mais um ataque ao STF, permite que o conheçamos mais de perto, assim como os que o compõem, permitindo, assim, que seja possível lembrar um outro trecho da canção celebrizada por Cazuza:
“Pra que mentir
Fingir que perdoou
Tentar ficar amigos sem rancor”
Serviço: “Os Onze – O STF, seus bastidores e suas crises” (Companhia das Letras, 2019). Autores: Felipe Recondo e Luiz Weber. Disponível para venda pela Amazon.