Mapear atividades em teias de relacionamentos sociais permite a captação de informações valiosas
Por Hamilton Carvalho (*)
Você conhece o paradoxo da amizade? Um estudo de 2011 verificou que o usuário padrão do Facebook tinha uma média de 200 amigos que, por sua vez, tinham uma média de 600 contatos próximos. Essa é a essência do paradoxo: nós, via de regra, somos menos populares que nossos amigos, mesmo na vida off-line. E somos menos também um monte de coisas.
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Começa que pessoas mais ativas, felizes, inteligentes, atraentes, endinheiradas ou legais tendem a ter mais amigos que os demais. E pelo menos um ou outro desses popstars da vida real tendem a estar na sua rede (afinal, eles conhecem muita gente), distorcendo qualquer comparação.
Mas não se deprima. A coisa também acontece em diversos outros contextos. Um artigo acadêmico, por exemplo, será muito menos citado do que as referências que ele mesmo cita.
O que nos interessa hoje, na verdade, é como o conhecimento sobre a configuração dos círculos sociais ajuda a iluminar vários fenômenos importantes. É algo que a literatura acadêmica de complexidade tem abordado pela perspectiva de sensores humanos.
Explico. Você, assim como eu, é um sensor. A ideia é que todos nós estamos inseridos em teias de relacionamentos sociais e que a forma como enxergamos o que acontece nessas teias fornece informações valiosas não captadas por pesquisas tradicionais.
Quando selecionados de forma a representar a população de interesse, os sensores são capazes de identificar tendências sociais nascentes e captar o que acontece em segmentos mais difíceis de alcançar (algo que bons estudos etnográficos também fazem).
É possível utilizar o conhecimento sobre as redes de amizade para intervenções diversas, como a previsão de estouro de uma epidemia. É onde o paradoxo da amizade se torna mais valioso, pois não é preciso mapear toda a rede (algo muito caro ou impraticável na maior parte dos casos) para alavancar seu poder.
Por exemplo, um estudo com alunos de Harvard mapeou a evolução da epidemia da gripe H1N1 (em 2009) usando esses conceitos. Selecionou-se uma amostra aleatória de estudantes, aos quais foi solicitado indicar quem eram seus amigos. Pelas propriedades das redes, sabia-se que os indicados tinham mais contatos, entre outras propriedades essenciais, na teia invisível que conectava a todos. Eles foram acompanhadas e o que se constatou foi que se contaminaram muito antes dos demais. Isto é, foram sensores vivos e altamente preditivos do desenrolar da epidemia.
Outra intervenção que explorou bem o paradoxo da amizade foi realizado em comunidades rurais de Honduras, com a introdução de multivitamínicos para enfrentar deficiências nutricionais da população. O objetivo era saber qual abordagem favorecia mais a difusão do conhecimento pelas diversas vilas. Ali se chegou a mapear completamente as redes e um dos tratamentos empregados foi justamente envolver os cidadãos mais centrais para tentar influenciar os demais.
Mas não foi o que apresentou melhores resultados. Novamente, foi o grupo de amigos indicados por pessoas aleatoriamente escolhidas que teve efeito diferenciado, o que permitiu chegar a influenciadores de partes menos densas das redes, que também eram relevantes.
Há outras abordagens interessantes com sensores humanos que mostram, por exemplo, como, ao longo do tempo, vamos nos contagiando com o comportamento dos indivíduos mais próximos. Porém o mais incrível dos estudos acadêmicos recentes, na minha opinião, são os resultados obtidos na previsão dos vencedores de eleições.
Em levantamentos recentes nos EUA, França, Holanda e Suécia, perguntar sobre a intenção de voto de familiares, amigos e conhecidos melhorou a previsão dos resultados finais na comparação com as pesquisas tradicionais, em que se indagava apenas em quem o entrevistado pretendia votar. Para você que ficou curioso, as perguntas vão na linha do “considerando os membros do seu círculo social, como você espera que os votos serão distribuídos entre os diferentes candidatos?”, seguidas da lista de concorrentes.
Evidentemente, em uma eleição também somos sujeitos a outras influências, vindas da mídia e de fontes hoje bastante variadas, que incluem até o tio do Zap, notório espalhador de fake news. O desafio é conseguir ponderar todas essas influências, mas já há métodos estatísticos relativamente sofisticados para isso, que melhoram ainda mais o poder preditivo dos levantamentos.
Para encerrar, não resisto a perguntar: se as eleições fossem hoje, quem você acha que ganharia entre os que lhe são próximos?
Hamilton Carvalho, 49 anos, pesquisa problemas sociais complexos. É auditor tributário no estado de São Paulo, doutor e mestre em Administração pela FEA-USP e ex-diretor da Associação Internacional de Marketing Social. É filiado à Rede Sustentabilidade
(*) Hamilton Carvalho, 49 anos, pesquisa problemas sociais complexos. É auditor tributário no estado de São Paulo, doutor e mestre em Administração pela FEA-USP e ex-diretor da Associação Internacional de Marketing Social. É filiado à Rede Sustentabilidade.
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