O papel dos influenciadores digitais nas eleições municipais de 2020

Por Marcio Alvim

Segundo o artigo 54 da Lei das Eleições, nos programas e inserções de rádio e televisão destinados à propaganda eleitoral gratuita de cada partido ou coligação só poderão aparecer, em gravações internas e externas, candidatos, bem como seus apoiadores, inclusive os candidatos a outros cargos (desde que registrados sob o mesmo partido ou coligação, consistente em depoimento com pedido de voto), que poderão dispor de até 25% do tempo de cada programa ou inserção. Por sua vez, o §2º do citado artigo permite somente a veiculação de entrevistas com o candidato, em cenas externas nas quais ele, pessoalmente, exponha: as realizações de governo ou da administração pública; as falhas administrativas e deficiências verificadas em obras e serviços públicos em geral; e atos parlamentares e debates legislativos. Claro, portanto, que, a fim de baratear custos, a legislação passou a desestimular pirotecnias na propaganda eleitoral veiculada no rádio e na televisão, quase que obrigando que o próprio candidato se apresente ao eleitorado.

Na eleição presidencial de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral, nos autos da Representação 0601254-23, de relatoria do ministro Carlos Horbach, por unanimidade decidiu que o limite de 25% do tempo a que se refere o artigo 54 da Lei das Eleições é imposto exclusivamente em relação aos apoiadores, candidatos ou não, que vierem a participar do programa de rádio e televisão, sendo o restante do tempo destinado aos diferentes tipos de linguagens permitidas, tais como caracteres com propostas, fotos, jingles, clipes com música ou vinhetas, inclusive de passagem, com indicação do número do candidato ou do partido.

Assim, a Corte Superior Eleitoral concluiu não ser obrigatória a participação direta do candidato em 75% do tempo restante dos blocos ou inserções, já que tais meios publicitários são explicitamente admitidos em lei e realizam a finalidade última de transmitir mensagens de cunho político-eleitoral, atingindo — no ambiente de uma comunicação cada vez mais digitalizada e calcada em recursos tecnológicos — graus de eficiência em muito superiores ao tradicional discurso político.

Para as eleições de 2020, a Resolução TSE 23.610, que normatiza a propaganda eleitoral no que tange ao rádio e à televisão, expressamente dispõe que apoiador se consubstancia na figura potencialmente apta a propiciar benefícios eleitorais ao candidato ou ao partido/coligação veiculador da propaganda, não integrando tal conceito os apresentadores ou interlocutores que tão somente emprestam sua voz para transmissão da mensagem eleitoral. Da leitura do citado dispositivo conclui-se ser vedado que candidatos utilizem “âncoras” na propaganda eleitoral televisiva, uma vez que a citada resolução só autoriza que os apresentadores emprestem sua voz.

Todavia, na rede mundial de computadores inexistem tais limitações, posto não haver qualquer restrição quanto à participação de terceiros nos canais de propaganda relacionados no artigo 57-B da Lei das Eleições, eis que nessa seara a atuação da Justiça Eleitoral deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático. Com isso, abre-se espaço para que os influenciadores digitais ocupem o papel de apoiadores na propaganda eleitoral via internet, eis que esses, conforme apontam Frederico Alvim e Volgane Oliveira Carvalho, passaram a utilizar de seu prestígio para tentar divulgar fatos de caráter político, chegando mesmo a realizar propaganda subliminar, positiva ou negativa, de determinados partidos políticos ou candidatos, inclusive de si próprios [1].

Contudo, imperativo reconhecer que, em princípio, não existe qualquer anormalidade no fato de um influenciador digital manifestar-se favorável ou contrariamente a esse ou aquele candidato ou projeto de poder. Os formadores de opinião, dentro ou fora da rede, são cidadãos e, como tal, fazem jus a todas as prerrogativas fundamentais na Carta Fundamental (op. cit, página 194).

Todavia, por analogia com aquilo que fora decidido pelo TSE nos autos do Recurso Especial Eleitoral 458-67/PI, de relatoria do ministro Luiz Fux (cujo tema de fundo tratou da “compra” de apoio político), não se olvida que a cooptação de um influenciador digital, apesar de não configurar captação ilícita de sufrágio, possui gravidade suficiente a ser qualificada como abuso de poder, caso se verifique que o “apoio”, na verdade, lastreou-se em contrapartida financeira a macular a igualdade de chances do processo eleitoral.

Logo, a cooptação de influenciadores digitais nas campanhas eleitorais pode ser apurada tanto a luz do abuso do poder econômico, ou seja, no caso em que as manifestações políticas tenham se dado mediante acordo financeiro, ou, ainda, na forma do abuso de poder político, caso determinado gestor público haja com desvio de finalidade para atrair o apoio daquele que ostenta um grande número de seguidores nas redes sociais de internet, em especial por conta dos transtornos causados pela Covid-19, o que estimulará que no próximo pleito boa parte da campanha eleitoral se dê na arena das mídias digitais.

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[1] “A responsabilidade eleitoral dos influenciadores digitais pelo uso indevido dos meios de comunicação’. Frederico Franco Alvim e Volgane Oliveira Carvalho in Reforma Política e Direito Eleitoral Contemporâneo, Estudos em homenagem ao ministro Luiz Fux, Ed. Migalhas, 2019, Carlos Eduardo Frazão, Rafael Nagime e Tarcísio Vieira de Carvalho Neto (coordenadores), Volume II, pág. 190.

(*) Marcio Alvim é coordenador do Curso de Direito Eleitoral da Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ.

Fonte: Consultor Jurídico

 

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