A inexistente nução na era do conhecimento

Por Bruno Soller

 

Em um mundo em que cada vez mais as diferentes pessoas têm voz e a possibilidade de se expressarem, muito em função da democratização da fala promovida pela realidade digital, pensar em construção de consensos parece gradualmente inviável. Entretanto, há uma compreensão bastante equivocada de que o político precisa buscar agradar a todos os públicos. Existe uma busca inútil e pouco estratégica por aceitação, no seu mais amplo sentido da palavra.

Em 1955, Joseph Luft e Harrington Ingham desenvolveram uma ferramenta conceitual chamada Janela de Johari, aplicada para estudar as interações e relações interpessoais. Nessa janela, há quatro vidros que se dividem e um desses vidros é responsável pela chamada área cega, ou seja, aquela em que a zona de conhecimento da pessoa é detida pelos outros e é desconhecida do seu ego. É a percepção do outro sobre a pessoa. Essa área, justamente, é a que tem grande relevância na sociedade moderna, que se habituou a opinar sobre tudo e todos.

Para um candidato com certo nível de conhecimento, tentar fugir dessa percepção parece um esforço sem sentido. Ter a argúcia certa para se escolher as batalhas é digno de um bom político. Martin Luther King disse certa vez: “Um líder autêntico, em vez de buscar o consenso, molda-o”. É necessário entender, antes de mais nada, o que se representa ou se pode representar e daí se posicionar no tabuleiro da política.

O posicionamento de uma marca passa fundamentalmente por um entendimento de seu público-alvo. Não é possível ou não é sustentável para a Philco vender aquecedor elétrico de ambiente no sertão cearense ou, a La Perla vender biquínis nos Alpes suíços, por mais que suas marcas sejam aceitas e conhecidas. Cada público tem sua demanda, cada público tem seus interesses e, portanto, entender quais são os anseios do seu público é que torna possível a comercialização do seu produto.

Na política eleitoral esse entendimento vai além e passa por uma série de outros fatores. Muitas vezes parece menor falar pra determinada classe social. Parece perda de prestígio. Aquilo que se pensa sobre si mesmo, muitas vezes não bate com o que outros pensam sobre a gente e essa é a equação difícil de fechar quando se tem um componente irracional à primeira vista chamado inconsciente. Sem avaliar, muitas vezes, naturalmente o político tende a buscar aquilo que no seu íntimo é mais confortável e esquece-se do pedaço cego da janela. Há, no âmago, uma tentativa de agradar aqueles que te dão a ressonância, aqueles do próprio convívio, por mais que não sejam eles com quem se precisa dialogar.

As primárias norte-americanas são um show de posicionamento. Todos os candidatos falam pra um mesmo público, que têm um mesmo objetivo, vencer o partido rival. Há, portanto, um pequeno consenso sobre o resultado final, mas uma infinidade de diferenças que marcam a disputa. Dentro da raia oposicionista há uma gama de assuntos que podem ser explorados e que reforçam a meta. Nas prévias democratas desse ano, todos buscavam vencer Trump, mas cada um de sua forma e falando com um estrato do público-alvo.

Pautados sempre por pesquisas de opinião, cada candidato se enxerga em alguns pontos que diferenciam sua mensagem do grande inimigo. Biden, o vencedor, viu que seu ativo era ser moderado, diferente do explosivo Trump. Sanders representou os valores progressistas contra o conservadorismo do presidente republicano. Bloomberg apostou na semelhança com Trump para se mostrar o mais apto a vencê-lo e conseguir dialogar até mesmo com o eleitor republicano. O fato é que cada um correu em um nicho, buscou dialogar com uma porção do eleitorado, que mais lhe cabia, que mais lhe era favorável. Os debates foram acalorados, mesmo entre correligionários.

No Brasil, temos ainda muita dificuldade em fugir da ideia do contentar a todos. Os movimentos dos candidatos são muito na linha de buscar o centro, como se fosse fácil representar um equilíbrio em um eleitorado que tem visões majoritariamente binárias. As pesquisas de opinião têm mostrado que continua no Brasil uma polarização de classes sociais. Temos no Brasil, 46,4% de classes, A, B e C1 e 54,6% de C2 e D. Segundo dados da primeira rodada de pesquisas RenascençaDTVM/Travessia, divulgada na última sexta-feira, 1º de maio, Bolsonaro lidera na C1 e tem boa presença na B. Moro lidera na B e tem a companhia de Dória e Amoêdo nesse nicho. Lula domina a D e tem boa presença na C2. Huck vai bem na C2 e entra na D e Ciro é o contraponto da esquerda na C1 e B.  Existem, portanto, os candidatos com presença na classe média e alta e os candidatos da classe baixa.

Dominar a sua área de influência é a primeira tarefa do candidato. Ser o mais votado naquele público. A chance de Huck é disputar o eleitor mais pobre contra o PT. A de Moro disputar a B e a C1 com Bolsonaro. Ciro tem um problema que o faz se manter com 12% desde que saiu candidato a primeira vez – tem posicionamento,  dialoga bem com um público, mas que é reduzido numericamente.

Elucidar-se sobre seu eleitor potencial e definir uma estratégia para alcança-lo é imperativo numa sociedade cada vez mais estratificada e enraizada em preceitos díspares grupo a grupo. A era do conhecimento permitiu o contato com as mais diferentes causas e valores. Urge compreender que ninguém agrada a todos e por vezes afaga justamente quem não se imagina afagar. Saber quem está disposto a ouvir e com quem é possível dialogar é a base pra uma construção de candidatura de sucesso.

Não há espaço para consensos. A maior vitória de um presidente brasileiro nesse século teve 40% de votantes do outro lado. Candidatos vitoriosos têm opinião, convicções, arrebanham seguidores pelo que pensam ou representam e geram naturalmente discórdia e cizânia em parte da sociedade. John F. Kennedy, ex-presidente americano, já dizia: “Eu não sei qual é o caminho do sucesso, mas com certeza, tentar agradar a todos é o caminho do fracasso”.

(*) Bruno Soller é estrategista político e especialista em pesquisas de opinião. Escreve às terças-feiras no portal Eleições Brasil.

Twitter: @brunosoller – Instagram: @brunosoller – E-mail: [email protected]

 

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